quarta-feira, 29 de abril de 2015

Deixai-vos ser reconstruídos por Cristo


Nas voltas que o mundo dá, sucedem-se crises de todo tipo. As pessoas conhecem ciclos diversos, mudanças condicionadas pela idade, situação social, opções feitas no correr da vida. A sociedade conhece também suas etapas e eventuais fases difíceis, como o quadro político e econômico em que nos encontramos, ampliado pelos inúmeros desafios que expressam quase um regresso à barbárie, tamanhos são os fatos violentos que passam diante de nossos olhos a cada dia. A Igreja está mergulhada em nosso mundo, com todos os seus problemas e é chamada a dar a resposta da fé a todos eles, superando o medo que podem provocar. Os cristãos são chamados a serem homens e mulheres de soluções, exercendo a necessária criatividade, que lhes possibilite ser presença qualificada no meio de todas as pessoas de boa vontade.
São João descreve, logo no início do quarto evangelho, uma das visitas de Jesus ao Templo de Jerusalém (Jo 2, 13-25). O espaço destinado a ser casa de oração tinha se transformado em comércio, a prática das leis do Antigo Testamento estava em crise, alguns poucos se faziam donos da religião, a presença invasiva dos romanos corrompia as relações entre as pessoas e, ao mesmo tempo, muitas pessoas mantinham viva a esperança da chegada do Messias prometido. O Templo, que já não era o que foi edificado por Salomão, mas a segunda construção, depois restaurada por Herodes, o Grande, veio a ser efetivamente destruído pela invasão romana, alguns anos mais tarde, restando apenas um espaço sagrado utilizado pelos judeus. Na antiga esplanada do templo, foram posteriormente erguidas duas Mesquitas, lugares de culto dos Muçulmanos. E a Jerusalém de hoje, com todos os conflitos subjacentes à sua organização e governo, abriga judeus, muçulmanos e cristãos. Muitos sonham, e nós também, com uma convivência pacífica das três grandes religiões monoteístas. E de lá para cá, por motivos diversos se destroem templos e monumentos de várias religiões, como temos acompanhado nos últimos dias. Com os edifícios destruídos, também fica comprometida a memória histórica da humanidade!
Não era simples o relacionamento dos judeus com as autoridades romanas e seus prepostos. São Lucas descreve alguns fatos reveladores: "Chegaram algumas pessoas trazendo a Jesus notícias a respeito dos galileus que Pilatos tinha matado, misturando o sangue deles com o dos sacrifícios que ofereciam. Ele lhes respondeu: Pensais que esses galileus eram mais pecadores do que qualquer outro galileu, por terem sofrido tal coisa? Digo-vos que não. Mas se vós não vos converterdes, perecereis todos do mesmo modo. E aqueles dezoito que morreram quando a torre de Siloé caiu sobre eles? Pensais que eram mais culpados do que qualquer outro morador de Jerusalém? Eu vos digo que não. Mas, se não vos converterdes, perecereis todos do mesmo modo" (Lc 13, 1-5). Jesus anuncia e faz acontecer o Reino de Deus no meio de uma sociedade conflitiva, com tensões e revoltas prontas a estourarem a qualquer momento.
Ao Templo de Jerusalém chega o esperado das nações, como nos descrevem os textos evangélicos. No entanto, ele vem de forma diferente, certamente decepcionando os sonhos de confronto e poder de muitos de seus contemporâneos. Sua presença quer conduzir as pessoas do Templo edificado com tanto esforço ao novo Templo, o novo lugar que é Ele mesmo, onde acontece o verdadeiro culto ao Pai do Céu. Jesus não destrói o Templo, antes o respeita profundamente, com palavras duras e fortes: "Tirai daqui essas coisas. Não façais da casa de meu Pai um mercado! Os discípulos se recordaram do que está escrito: O zelo por tua casa me há de devorar" (Jo 2,16-17). Além das lições que nós cristãos podemos aprender com estes fatos, nasça um grande respeito pela religião dos outros, sejam quais forem suas convicções!
Profeticamente, o Senhor anuncia que o Templo será destruído e reconstruído após três dias, pois ele falava a respeito do seu corpo. Depois que Jesus ressuscitou dos mortos, os discípulos se recordaram de que ele tinha dito isso, e creram na Escritura e na palavra que Jesus havia falado (Cf. Jo 2, 21-22). De fato, na força de sua Ressurreição gloriosa, a morte veio a ser vencida e todas as suas manifestações podem ser superadas.
Nós cristãos professamos a fé no Cristo Morto e Ressuscitado. Com a fé, nossa vida tem uma meta a ser alcançada, impedindo-nos de sermos afogados pelos acontecimentos positivos ou negativos. Nosso olhar se volta para a plenitude do amor de Deus, acendendo continuamente a luz da esperança. Com esta fé, passamos pelo mundo fazendo o bem, acreditando que é possível restaurar vidas e superar as muitas dilacerações existentes na sociedade.
Para tanto, somos chamados a algumas atitudes e gestos. Para nós, a maldade não tem a última palavra em quem quer que seja. Olhamos para as pessoas e suas crises pessoais e descobrimos aquela fagulha, para não apagar a chama que fumega, pois no nome de Jesus as nações podem depositar a esperança (Cf. Mt 12,15-21; Is 42,1-4). No dia a dia, não desperdiçamos as oportunidades para tecer novos relacionamentos com as pessoas, aproveitando os eventuais laços que poderiam impedir a caminhada para compor redes de fraternidade. As iniciativas de pessoas e grupos em vista do bem comum encontrarão em nós a disposição para parcerias inteligentes, nas quais cada um pode dar o que sabe e pode. Onde quer que encontremos eventuais restos de edificações destruídas, recolheremos os pedaços para realizar a profecia: "Quando o invocares, o Senhor te atenderá, e ao clamares, ele responderá: Aqui estou! Se, pois, tirares do teu meio toda espécie de opressão, o dedo que acusa e a conversa maligna, se entregares ao faminto o que mais gostarias de comer, matando a fome de um humilhado, então a tua luz brilhará nas trevas, o teu escuro será igual ao meio-dia. O Senhor te guiará todos os dias e vai satisfazer teu apetite, até no meio do deserto. Ele dará a teu corpo nova vida, e serás um jardim bem irrigado, mina d’água que nunca para de correr. E a tua gente reconstruirá as ruínas que pareciam eternas, farás subir os alicerces que atravessaram gerações, serás chamado reparador de brechas, restaurador de caminhos, para que lá se possa morar" (Is 58, 9-12).
Se o sonho parece muito alto, sabemos que nossa fé professa nada menos do que a vitória sobre a morte! Portanto, a esta altura do caminho quaresmal em direção à Páscoa, recomecemos a cada dia a tarefa recebida do Senhor, para reconstruir as eventuais ruínas que encontrarmos.
 Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará - Assessor Eclesiástico da RCCBRASIL


sábado, 25 de abril de 2015

Nunca desanimar na luta contra o pecado: sempre é tempo de conversão!


O pecado é o grande mal desta vida; custou a vida de Deus morto na cruz para podermos ficar livres dele. Ele é a raiz mais profunda de todos os males. São Paulo diz que “o salário do pecado é a morte” (Rom 6,23); quer dizer, toda lágrima, toda dor e a morte, têm a sua causa primeira no pecado, desde o pecado original até os nossos pecados pessoais. O pecado é “amor de si mesmo até ao desprezo de Deus”, disse S. Agostinho (A cidade de Deus, 14,28).
Jesus veio nos trazer a libertação contra a “escravidão do pecado”. “Sabemos que o nosso velho homem foi crucificado com Ele, para que seja reduzido à impotência o corpo outrora subjugado pelo pecado” (Rom 6,6).
Deus disse Caim: “É verdade, se fizeres o bem, andarás de cabeça erguida; mas se fizeres o mal, o pecado estará à porta, espreitando-te. Tu, porém, poderás dominá-lo” (Gen 4,7). É possível dominar o pecado com a graça de Deus. Não temos desculpas diante da derrota para o pecado. São Paulo disse que:
“Não vos sobreveio tentação alguma que ultrapassasse as forças humanas. Deus é fiel: não permitirá que sejais tentados além das vossas forças, mas com a tentação ele vos dará os meios de suportá-la e sairdes dela” (1 Cor 10,13).
Se Deus não nos abandona na tentação, então, se caímos no pecado é porque não fizemos o que Jesus mandou: “Vigiai e orai para que não entreis em tentação. O espírito é forte, mas a carne é fraca” (Mt 26,41). Sem vigiar e orar não venceremos o pecado. Deus avisa: “Quem ama o perigo nele perecerá” (Eclo 3,27).
Deus disse a seu povo: “O mandamento que hoje te dou não está acima de tuas forças, nem fora de teu alcance… Mas esta palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração: e tu a podes cumprir” (Deut 30,11-13). Podemos cumprir os mandamentos de Deus e não pecar.
A Bíblia traz várias listas de pecados. “As obras da carne são manifestas: fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, ódio, rixas, ciúmes, ira, discussões, discórdia, divisões, invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos previno, como já vos preveni: os que tais coisas praticam não herdarão o Reino de Deus” (Gl 5,19-21). Outras listas podem ser vistas em Rm 1,28-32; 1Cor 6,9-10; Ef 5,3-5; Cl 3,5-9; 1Tm 1,9-10; 2Tm 3,2-5.
Temos de lutar com todas as forças contra o pecado porque ele nos separa de Deus e mata a nossa alma. São Tomás de Aquino diz que “há duas mortes; a primeira quando o corpo se separa da alma; a segunda quando a alma se separa de Deus”. Para a primeira haverá a ressurreição; mas para a segunda não há solução, a alma se separa definitivamente de Deus, é o inferno, a frustração absoluta e definitiva.
O Catecismo diz que: “O pecado mortal é uma possibilidade radical da liberdade humana, como o próprio amor. Acarreta a perda da caridade e a privação da graça santificante, isto é, do estado de graça. Se este estado não for recuperado mediante o arrependimento e o perdão de Deus, causa a exclusão do Reino de Cristo e a morte eterna no inferno, já que nossa liberdade tem o poder de fazer opções para sempre, sem regresso”. (n.1861)
Fomos criados para participar da vida bem-aventurada, feliz, de Deus; viver sem ele, para sempre, é a morte da alma. Santo Agostinho disse que “é desígnio de Deus que toda alma desregrada seja para si mesma o seu castigo”. “Eu pecava, porque em vez de procurar em Deus os prazeres, as grandezas e as verdades, procurava-os nas suas criaturas: em mim e nos outros. Por isso precipitava-me na dor, na confusão e no erro”. O salmista diz que “O que ama a iniquidade odeia a sua alma” (Sl 10,6). O pecado é a nossa tristeza, a santidade é a nossa alegria, diz o Santo.
É tão grave o pecado que a Carta aos hebreus manda “resistir até o sangue na luta contra o pecado” (Heb 12,4). Muitos preferiram o martírio do que o pecado.
Na Quaresma, sobretudo, Deus nos dá uma grande oportunidade de conversão, de deixar o pecado, de romper com o mal. O profeta Joel nos pede: “Rasgai vossos corações e não vossas vestes; voltai ao Senhor vosso Deus, porque ele é bom e compassivo, longânime e indulgente, pronto a arrepender-se do castigo que inflige” (Joel 2,13).
Você vê que no carnaval, muitas pessoas se escondem atrás de máscaras, de fantasias, para fazer o que querem, o que acham que as fazem se sentir melhores (de uma certa forma). Da mesma maneira, também em nossa relação com Deus fazemos isso, mascaramos nossos pecados para nos sentirmos melhores (de certa forma). Fugimos de Deus e de nós mesmos. Se não formos sinceros com Deus, não podemos crescer em nossa vida interior, não podemos ter uma verdadeira conversão, e esfriamos na fé. É preciso coragem para enfrentar a nós mesmos e nossos pecados e nos voltarmos de coração a Deus.
A Igreja nos dá os remédios contra o pecado: a vigilância sobre os sentidos, o jejum, a esmola, a oração, a meditação da Palavra de Deus e de bons livros, a Confissão e a Eucaristia. Quem usa esses remédios, mesmo que caia, acaba vencendo sobre os pecados. É uma luta dura, mas necessária, sem a qual não podemos agradar a Deus e ser felizes.
“O jejum purifica a alma, eleva os sentidos, sujeita a carne ao espírito, faz-nos contrito e humilhado o coração, dissipa o nevoeiro da concupiscência, extingue os odores da sensualidade, acende a verdadeira luz da castidade”, diz S. Agostinho.
O profeta nos diz: “Volta, Israel, ao Senhor teu Deus, porque foi teu pecado que te fez cair”. (Oséias 14, 1). “Eis o que diz o Senhor à casa de Israel: Buscai-me e vivereis!” (Amós 5, 4). “Buscai o bem e não o mal, e vivereis; e o Senhor Deus dos exércitos estará convosco, como o dizeis” (Amós 5, 14).
Nunca podemos desanimar na luta contra o pecado, pois o Catecismo nos diz que: “Não há pecado algum, por mais grave que seja, que a Santa Igreja não possa perdoar. “Não existe ninguém, por mau e culpado que seja, que não deva esperar com segurança a seu perdão, desde que seu arrependimento seja sincero.” Cristo que morreu por todos os homens, quer que, em sua Igreja, as portas do perdão estejam sempre abertas a todo aquele que recua do pecado” (n.982).

Prof. Felipe Aquino

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Quais são as raízes do pecado?


É fácil dizer se tal ou qual ação é pecaminosa. Não o é tanto dizer se tal ou qual pessoa pecou. Se alguém se esquece, por exemplo, de que hoje é festa de preceito e não vai à missa, o seu pecado é apenas externo. Interiormente, não teve intenção de comportar-se mal. Neste caso, dizemos que cometeu um pecado material, mas não um pecado formal. Existe aí uma obra má, mas não má intenção. Seria supérfluo e inútil mencioná-lo na confissão.
Mas também é verdade o contrário. Uma pessoa pode cometer interiormente um pecado sem realizar um ato pecaminoso. Usando o mesmo exemplo, se alguém pensa que hoje é dia de preceito e voluntariamente decide não ir à missa sem razão suficiente, é culpado do pecado da omissão dessa missa, mesmo que esteja enganado e não seja dia de preceito. Ou, para dar outro exemplo, se um homem rouba uma grande quantia de dinheiro e depois percebe que roubou o seu próprio dinheiro, interiormente cometeu um pecado de roubo, ainda que realmente não tenha roubado. Em ambos os casos dizemos que não houve pecado material, mas formal. E, naturalmente, esses dois pecados têm que ser confessados.
Vemos, pois, que é a intenção na mente e na vontade de uma pessoa o que determina em última análise a malícia de um pecado. Há pecado quando a intenção quer alguma coisa contra o que Deus quer.
Com efeito, é a intenção o que determina a malícia; mas o novo Catecismo precisa: “É errado [...] julgar a moralidade dos atos humanos considerando apenas a intenção que os inspira [...]. Existem atos que, por si mesmo e em si mesmos, independentemente das circunstâncias e intenções, são sempre gravemente ilícitos em virtude do seu objetivo: por exemplo, a blasfêmia e o perjúrio, o homicídio e o adultério. Não é permitido praticar um mal para que dele resulte um bem” (n. 1756).
Por esta razão, sou culpado de pecado no momento em que decido cometê-lo, mesmo que não tenha oportunidade de praticá-lo ou mesmo que depois mude de opinião. Se decido mentir sobre um assunto quando me perguntarem, e a ninguém ocorre fazer a pergunta, continuo a ser culpado de uma mentira por causa da minha má intenção. Se decido roubar umas ferramentas da oficina em que trabalho, mas me despedem antes de poder fazê-lo, interiormente já cometi o roubo, ainda que não tenha tido ocasião de praticá-lo, e sou culpado disso. Estes pecados seriam reais, e, se a matéria fosse grave, teria que confessá-los.
Mesmo uma mudança de decisão não pode apagar o pecado. Se um homem decide hoje que amanhã irá fornicar e amanhã muda de ideia, continuará a ter sobre a sua consciência o pecado de ontem, a boa decisão de hoje não pode apagar o mau propósito de ontem.
É evidente que aqui falamos de uma pessoa cuja vontade tenha tomado essa decisão. Não nos referimos à pessoa em grave tentação, que luta consigo mesma, talvez durante horas ou até dias. Se essa pessoa alcança, por fim, a vitória sobre si mesma e diz um “não” decidido à tentação, não cometeu pecado. Antes pelo contrário, mostrou grande virtude e adquiriu grande mérito diante de Deus. Não há motiva para sentir-se culpada, ainda que a tentação tenha sido violenta ou persistente. Não. A pessoa de quem falávamos antes é a que resolve cometer um pecado, mas é impedida de fazê-lo por falta de ocasião ou por ter mudado de ideia.
Isto não quer dizer que o ato exterior não tenha importância. Seria um grande erro inferir que, já que alguém tomou a decisão de cometer um pecado, tanto faz leva-la à prática ou não. Muito pelo contrário, realizar a má intenção e praticar o ato aumenta a gravidade desse pecado, intensifica a sua malícia. E isto é especialmente assim quando esse pecado externo prejudica um terceiro, como no roubo; ou causa o pecado de outrem, como nas relações sexuais ilícitas.
E já que estamos falando de “intenção”, vale a pena mencionar que não podemos tornar boa ou indiferente uma ação má com uma boa intenção. Se roubo de um rico para dar a um pobre, isso continua a ser um roubo e é pecado. Se digo uma mentira para tirar um amigo de apuros, isso continua a ser uma mentira, e eu peco. Se uns ais usam anticoncepcionais para que os filhos que já têm disponham de mais meios, esse ato continua a ser pecaminoso. Em resumo, um fim bom nunca justifica meios maus. Não podemos forçar e retorcer a vontade de Deus para fazê-la coincidir com a nossa.
“Uma intenção boa (por exemplo, ajudar o próximo) não torna bom em justo um comportamento desordenado em si mesmo (como a mentira e a maledicência). O fim não justifica os meios. Assim, não se pode justificar a condenação de um inocente como meio legítimo de salvar o povo. Por sua vez, acrescentada uma intenção má (Como, por exemplo, a vanglória), o ato em si bom (como a esmola) pode tornar-se mau” (n. 1753).
Da mesma maneira que o pecado consiste em opormos a nossa vontade à de Deus, a virtude não é senão o esforço sincero por identificarmos a nossa vontade com a de Deus. Não é difícil consegui-lo a não ser que confiemos somente nas nossas próprias forças, em vez de confiarmos na graça de Deus. Assim o diz um velho axioma teológico: “Deus não nega a sua graça a quem faz o que pode”.
Se fazermos “o que podemos” – rezamos cada dia regularmente; confessando-nos e comungando com frequência; considerando uma e outra vez que o próprio Deus habita na nossa alma em graça (que alegria saber que, seja qual for o momento em que Ele nos chame, estaremos preparados para contemplá-lo por toda a eternidade!, mesmo que tenhamos de passar previamente pelo purgatório); ocupando-nos num trabalho útil e em diversões sadias, evitando as pessoas e lugares que possam pôr à prova a nossa humana debilidade -, então não há dúvida da nossa vitória.
É também muito útil conhecermos as nossas fraquezas. Você se conhece bem? Ou, para dizê-lo uma forma negativa, sabe qual é o seu principal defeito?
Pode ser que você tenha muitos defeitos; a maioria de nós os tem. Mas fique certo de que há um que se destaca mais que os outros e que é o seu maior obstáculo para o crescimento espiritual. Os autores espirituais descrevem esse defeito como defeito dominante.
Antes de mais nada, convém esclarecer a diferença entre um defeito e um pecado. Um defeito é o que poderíamos chamar “o ponto fraco” que nos faz facilmente cometer certos pecados e tornar mias difícil praticar certas virtudes. Um defeito é (até que o eliminemos) uma fraqueza do nosso caráter, mais ou menos permanente, ao passo que o pecado é algo eventual, um fato isolado que deriva do nosso defeito. Se comprarmos o pecado a uma planta nociva, o defeito será a raiz que o sustenta.
Todos sabemos que, quando se cultiva um jardim, dá pouco resultado aparar as plantas daninhas rente ao chão. Se não se arrancam as raízes, crescerão outra vez. O mesmo ocorre na nossa vida com certos pecados: continuarão a aparecer continuamente se não arrancarmos as suas raízes, esse defeito do qual nascem.
Os teólogos estabelecem uma lista de sete defeitos ou fraquezas principais, que estão na base de quase todos os pecados atuais. Chamam-se ordinariamente, os sete vícios ou pecados capitais. A palavra “capital” neste contexto significa que esses defeitos são os mais relevantes ou os mais frequentes, não necessariamente os maiores ou os piores.
“Os vícios podem ser classificados segundo as virtudes a que se opõem, ou ainda ligados aos pecados capitais que a experiência cristã distinguiu seguindo S. João Cassiano e S. Gregório Magno. São chamados <> porque geram outros pecados, outros vícios” (n. 1866).
Bem, e quais são esses sete vícios dominantes da natureza humana? O primeiro é a soberba, que poderíamos definir como a procura desordenada da nossa própria honra e excelência, ou como um amor-próprio desordenado que leva a preferir-nos sempre a Deus e aos outros, ou ainda, a largos traços, como aquilo a que hoje chamamos egoísmo. Seria muito longa a lista de todos os pecados que nascem da soberba: a ambição excessiva, a jactância em relação às nossas forças espirituais, a vaidade, o orgulho, eis aí uns poucos. Ou, para usar expressões contemporâneas, a soberba é a causa dessa atitude cheia de amor-próprio que nos leva a “manter o status, para que os vizinhos não falem mal de nós”, à ostentação, à ambição de escalar postos e brilhar socialmente, de estar na “crista da onda”, e outras coisas do mesmo jaez.
O segundo pecado capital é a avareza ou o desejo imoderado de bens temporais. Daqui nascem não só os pecados de roubo e fraude, como também os menos reconhecidos de injustiça entre patrões e empregados, práticas abusivas nos negócios, mesquinhez e indiferença ante as necessidades dos pobres, e isso para mencionar só uns poucos exemplos.
O seguinte na lista é a luxúria ou impureza. É fácil perceber que os pecados evidentes contra a castidade têm a sua origem na luxúria; mas esta também produz outros: há muitos atos desonestos, falsidade e injustiças que se podem atribuir à luxúria; a perda da fé e o desespero da misericórdia divina são frutos frequentes da luxúria.
Depois vem a ira, que é um estado emocional desordenado que nos incita a desforrar-nos dos outros, a opor-nos insensatamente a pessoas ou coisas. Os homicídios, as desavenças e as injúrias são consequências evidentes da ira, como também o ódio, a murmuração e o dano à propriedade alheia.
A gula é outro pecado capital. É a atração desordenada pela comida ou bebida. Parece o mais ignóbil dos vícios; no glutão, há algo de animal. Prejudica a saúde, produz o linguajar soez e blasfemo, injustiças contra a própria família e outras pessoas, e uma legião de males demasiados evidente para necessitarem de enumerações.
A inveja é também um vício dominante. É necessário sermos muito humildes e sinceros conosco próprios para admitir que a temos. A inveja consiste em desejar o nível de vida dos outros: esse é um sentimento perfeitamente natural, a não ser que nos leve a extremos de cobiça. Não, a inveja é antes a tristeza causada pelo fato de haver quem esteja numa situação melhor que a nossa, é o sofrimento pela melhor sorte dos outros. Desejamos ter aquilo que um outro tem, e desejamos que ele não o tenha; pelo menos, desejaríamos que não o tivesse, se nós não podemos tê-lo também. A inveja leva-nos ao estado mental do clássico “cachorro do hortelão”, que nem aproveita o que tem nem deixa que os outros o aproveitem, e produz o ódio, a calúnia, a difamação, o ressentimento e outros males semelhantes.
Finalmente, temos a preguiça ou acedia, que não é o simples desagrado perante o trabalho; á muita gente que não acha agradável o seu trabalho. A preguiça consiste, antes de tudo, em fugir do trabalho pelo esforço que implica. É o desgosto – e a recusa – causado pela necessidade de cumprirmos os nossos deveres, especialmente se nos conformamos com a mediocridade espiritual, é quase certo que a sua causa é a preguiça. Omitir a assistência à missa aos domingos e dias de preceito, desleixar-se na oração, fugir das obrigações familiares e profissionais, tudo isso são consequências da preguiça.
Estes são, pois, os sete pecados capitais: soberba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja e preguiça. Nos, que temos sem dúvida o louvável costume de examinar a nossa consciência antes de nos deitarmos e – evidentemente – antes de nos confessarmos, lucraríamos muito se de hoje em diante nos perguntássemos não só “que pecados cometi e quantas vezes”, mas também “por quê”, isto é, qual foi a raiz – o pecado capital – que esteve na origem de cada uma dessas nossas faltas.              Trecho retirado do livro: A Fé Explicada, Leo J. Trese







sábado, 18 de abril de 2015

Olhar para o alto e para frente



Quem aprende a dirigir, para tirar uma carteira de habilitação, ouve com frequência de seus instrutores a observação de que bom motorista deve ter também visão lateral, para enxergar o que acontece ao seu lado. Na realidade, é preciso olhar para os lados, para frente e para trás, pelos retrovisores. Com o tempo, o que parecia impossível torna-se saudável rotina, contribuindo para a segurança de condutores, passageiros e os demais veículos em circulação. Pode ser uma parábola contemporânea do jeito de viver próprio dos cristãos. É que lhes cabe uma atenção contínua às pessoas, aos fatos e acontecimentos, sem perder o rumo. Olhar ao redor suscitará a atenção da caridade. Olhar para trás será o saudável exercício da memória, com a qual reconhecemos as falhas, para corrigi-las, e damos graças a Deus por tudo o que nos concedeu.
Entretanto, há duas direções para as quais o nosso olhar precisa continuamente se voltar, se queremos dar testemunho coerente e ser sinais de Deus para o nosso tempo, a saber, olhar para o alto e olhar para frente. No diálogo com Nicodemos (Cf. Jo 3, 14-21), aquele visitante que alguém chamou de adorador noturno, cuja figura entra em cena outras vezes (Cf. Jo 7, 50; Jo 19, 39), o Senhor indica o olhar da fé que dá sentido à nossa existência e nos abre a estrada da salvação: "Assim também será levantado o Filho do Homem, a fim de que todo o que nele crer tenha vida eterna” (Jo 3, 14-15). Numa discussão com interlocutores que o provocavam, assim disse Jesus: “Quando tiverdes elevado o Filho do Homem, então sabereis que ‘eu sou’, e que nada faço por mim mesmo, mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou" (Jo 8, 28). Mais tarde Jesus retoma o tema, afirmando que quando for levantado da terra, todos seriam atraídos a Ele (Cf. Jo 12, 32).
Olhar para o alto das montanhas da existência, que se encontram na experiência da presença de Deus e da salvação que nos é oferecida em Jesus Cristo. Há um risco em nosso tempo de nivelar tudo na altitude zero, sem projetar grandes ideais, sem sonhos de perfeição moral, considerando todas as atitudes e opções como indiferentes. Vale pensar nos conteúdos absorvidos nos admiráveis meios de comunicação colocados à nossa disposição. Sem uma educação, e esta começa na família, para valores consistentes, valerá tudo e precisaremos aguardar algum tempo para verificarmos as consequências. É bom lembrar que impérios gloriosos de outros séculos caíram não só pelos percalços políticos, como também pela decadência moral das caladas da noite!
O que existe de mais alto e mais digno para a vida humana, para que nosso olhar de fé se volte reverente, é a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. Voltar os olhos para ela é encontrar o amor maior, a prova definitiva de que, "de fato, Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele" (Jo 3, 16- 17). O desafio para o cristão é proclamar que a certeza da glória e realização para toda a humanidade está na Cruz de Cristo (Cf. Gl 6, 14), na qual se encontram dois amores: o amor infinito e eterno de Deus, que transborda da Trindade para a humanidade, no Filho amado que deve ser ouvido e que responde, com amor de Deus e de homem a este eterno amor. Dali mesmo, da Cruz de Cristo, brota a torrente de amor, com os braços abertos a todos os homens e mulheres de todos os tempos, chamados a se amarem mutuamente, com o mesmo amor que vem desta fonte inigualável. Ninguém olhe apenas para o chão do pecado, para baixo, onde se encontram tantas misérias humanas, mas todos ergam seus olhos para o sinal glorioso da salvação.
É ainda a Cruz que suscita outro olhar, sempre para frente. Certa feita, Jesus chamou nada menos que a "multidão, juntamente com os discípulos, e disse-lhes: 'Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me! Pois quem quiser salvar sua vida a perderá; mas quem perder sua vida por causa de mim e do Evangelho, a salvará'" (Mc 8, 34-35). Para viver com dignidade e ser sinal de Deus, o cristão há de seguir a Jesus. Trata-se de renunciar a ter um programa próprio, certamente marcado por interesses egoístas, para lançar-se na maravilhosa aventura do discipulado, o seguimento de Jesus. Quem dá tal passo, olha para frente e descobre as veredas a serem percorridas no cotidiano, mesmo com as eventuais dificuldades.
Os dias que vivemos podem ser fonte de desânimo para muitas pessoas. É que fomos iludidos com os sonhos de consumo, nossos olhos brilharam com as ofertas das vitrines, e até nos apegamos a nossos maravilhosos aparelhinhos, cada vez mais caros, considerados como mágicos ou até ilusoriamente feitos objetos de piedade. Muitos até os querem abençoados, mas sem terem a coragem de mostrar o que reservam em suas memórias! As negociatas dos grandes do mundo se multiplicaram aos milhões, empresas pareciam transformadas em minas do Rei Midas. Parecia que todo mundo teria casa própria, carro do ano, dinheiro na poupança, saúde para dar e vender! De repente, a dura realidade volta, fica difícil pagar o combustível do carro ou as dívidas do cartão de crédito, os hábitos de luxo se revelam ilusórios!
Os governos não sabem, mesmo quando não o admitem publicamente, como sair da terrível enrascada da crise gerada pelo egoísmo e pela competição desenfreada. Observe-se, a modo de exemplo, o que disseram recentemente instituições de credibilidade: "A inquestionável crise por que passam, no Brasil, as instituições da Democracia Representativa, especialmente o processo eleitoral, decorrente este de persistentes vícios e distorções, tem produzido efeitos gravemente danosos ao próprio sistema representativo, à legitimidade dos pleitos e à credibilidade dos mandatários eleitos para exercer a soberania popular... É necessário que todos os cidadãos colaborem no esforço comum de enfrentar os desafios, que só pode obter resultados válidos se forem respeitados os cânones constitucionais, sem que a Nação corra o risco de interromper a normalidade da vida democrática". (Declaração conjunta das presidências da CNBB e da OAB).
Volta à tona a mesma proposta de Jesus, cujo nome é Cruz, que pede seguimento do Evangelho. As práticas sugeridas pelo Senhor passam pela sobriedade e pela partilha, apontam para mãos que se lavam da iniquidade cometida, conversão verdadeira, seriedade e dedicação no trabalho, diálogo sincero, superação da tendência de acusação mútua, construção de pontes entre os grupos diferentes na sociedade. Podem parecer até ingênuas estas estradas do evangelho, mas, sem elas, ninguém vai para frente e nem alcança os cumes da verdadeira realização, cujo nome verdadeiro é salvação. A escolha é nossa!
Dom Alberto Taveira Corrêa - Arcebispo de Belém do Pará
Assessor Eclesiástico da RCCBRASIL


quarta-feira, 15 de abril de 2015

Quais as mensagens do livro do Gênesis?


O livro do Gênesis tem grande importância porque traz a Revelação de Deus sobre a origem do homem e do mundo, a queda pelo pecado original e a promessa de salvação. Apresenta-nos a maravilhosa história dos Patriarcas: Abraão, Isac e Jacó. Não é um livro de ciências e nem de etnologia (raças), apenas de verdades religiosas. Entre outras coisas traz a Revelação de Deus sobre os seguinte pontos:
1 - Deus é o Criador do mundo e do homem.
2 - Deus é distinto do universo; quer dizer, não existe o Panteísmo (tudo é Deus), que defende que Deus e o mundo são a mesma coisa; e vê o mundo apenas como uma “emanação de Deus”.
3 - O mundo é bom. A matéria é boa.
4 - O mundo criado manifesta a glória e a paz de Deus.
5 - O homem foi criado da terra, mas foi animado de um espírito de vida (alma) imortal, criado e dado por Deus. O seu corpo é fruto da evolução, mas não a sua alma.
6 - O homem foi criado para viver na amizade de Deus.
7 - O homem foi criado livre.
8 - A harmonia primitiva foi destruída pelo pecado da desobediência a Deus. O homem tem a vã esperança de ser Deus (pecado original).
9 - O homem foi excluído do Paraíso.
10 - Deus faz a Promessa de Redenção da humanidade através da Mulher (Gen 3,15).
11 - O homem foi dominado pelo pecado e o mal se generaliza: Caim, Torre de Babel, Sodoma e Gomorra, etc..
12 - Deus faz uma primeira aliança com o homem através de Noé.
13 - Deus continua a aliança com Abraão, Isac e Jacó.
Os capítulos de 1 a 11 do Gênesis formam a “pré-história” bíblica, por se referir a acontecimentos anteriores à história bíblica, que começou com o Patriarca Abraão (1850 aC). O gênero literário deste livro é o da história religiosa da humanidade primitiva. O autor sagrado não quis ensinar verdades científicas, mas apenas apresentou verdades religiosas através de um linguagem figurada, simbólica.


A imagem do mundo para o autor sagrado, naquele tempo, era diferente da nossa. A terra era entendida como se fosse uma mesa plana, não uma esfera como sabemos hoje. Esta mesa estava apoiada sobre colunas; abaixo havia as águas de onde brotavam as fontes, e também a região dos mortos chamada de Cheol. A luz era entendida como se não dependesse do sol ou das estrelas. Portanto, é preciso ter bem claro que o autor sagrado não escreveu como um cientista, mas como alguém inspirado por Deus para nos revelar verdades religiosas. Não se deve então, buscar no Gênesis resposta para perguntas como: Com quem se casou Caim? Onde fica o Paraíso terrestre? Como surgiram as raças e as cores diferentes dos homens?, etc. Nem se pensar que o mundo tenha sido criado em seis dias.                                                                                                       (Cleofas.com.br)

domingo, 12 de abril de 2015

Mártires do nosso tempo


Recentemente fomos impactados com as imagens que circularam na internet exibindo um vídeo divulgado pelo Estado Islâmico em que 21 jovens cristãos são literalmente decapitados à beira de uma praia. Estes jovens egípcios foram assassinados por serem cristãos e a gravação revela a que nível de perseguição os cristãos do Oriente Médio estão sendo vítimas. O crime, tornado público pelos próprios algozes, tem certamente o intuito de intimidar outros cristãos, ferir as famílias das vítimas, e fazer o mundo todo sentir o seu “poder”. Uma ação demoníaca, não temos dúvida!
Ontem e hoje, cristãos têm sido alvo de perseguições. Desde os primeiros Profetas tem sido assim. E assim foi com o próprio Cristo. Quanto mais não o será com os Seus discípulos... Ele mesmo nos advertiu quando disse “Se o mundo vos odeia, sabei que primeiro odiou a mim. O servo não é maior do que o seu senhor. Se me perseguiram, perseguirão também a vós” (cf. Jo 15, 18. 20).
Não menos forte é o testemunho da família de dois dos jovens assassinados. Perguntados sobre os seus sentimentos acerca do que sofreram, dizem que sentem orgulho de seus irmãos e que eles também são orgulho para a cristandade. “O EI ajudou a fortalecer a nossa fé”, disseram. E foram além, afirmando que “desde os tempos de Roma, nós, como cristãos, temos sido alvo de martírios. Isso só nos ajuda a nos fortalecer em certos períodos de crise, porque a Bíblia nos ensina a amar os nossos inimigos e a abençoar os que nos amaldiçoam”. E, em seguida, eles clamam pela salvação dos assassinos, pedindo que Deus abra seus olhos e livre-os da ignorância. Grande é esta fé!
E o que toca a cada um de nós quando assistimos a esses acontecimentos? Passaremos imunes e indiferentes a tudo isso? Será mais uma notícia de jornal, em um lugar distante do mundo, com pessoas que sequer conhecemos? Ficaremos apenas chocados com a brutalidade das cenas, e deixaremos lágrimas de emoção caírem de nossos olhos sem que nos penetre verdadeiramente a alma? O testemunho desta família é algo bonito de se ouvir, mas “surreal” para nós?
Diante do martírio destes cristãos e do testemunho desta família, o primeiro sentimento que deve brotar em nós é o da vergonha da nossa pouca fé. Somos também chamados à radicalidade da fé! Sem negociá-la, sem ocultá-la, sem nos intimidar diante das circunstâncias que se nos apresentam. Vivamos a fé de forma integral em todos os aspectos e âmbitos de nossa vida. Não existe fé pela metade, fé de circunstância, de ocasião, nem, muito menos, fé interesseira.
Assumamos o nosso lugar de cristãos e professemos a nossa fé no nosso modo de viver, na família, na comunidade, no trabalho, no cargo que ocupamos, na Igreja e no mundo. Quem vive autenticamente a sua fé cristã, pautando sua vida pelo Evangelho, amando, perdoando, doando-se, sacrificando-se por amor, não corrompendo-se, este também está vivendo uma espécie de martírio, não o de sangue, mas o martírio silencioso de quem prefere aos outros do que a si mesmo, de quem não nega que Cristo é o Senhor da sua vida, mesmo que para isso precise sacrificar tantas coisas.
O que Deus está pedindo de você, de nós? Como tem sido o nosso testemunho? Estamos vivendo a mediocridade de uma “fé” circunstancial e de aparências ou estamos progredindo na busca da intimidade com Deus que nos leva dia após dia à santidade e ao testemunho verdadeiro?  
Que o sangue dos Mártires não seja derramado em vão! Que deles aprendamos a prosseguir até o fim na nossa missão, com Deus, em Deus e por Deus. Que o Espírito Santo nos fortaleça diante das batalhas, nos momentos desafiadores da nossa fé, naquelas horas que mais precisamos de coragem para permanecermos firmes na Palavra e na Verdade. Nos mártires do nosso tempo vejamos um grande exemplo, e no maior deles, Jesus Cristo, tenhamos a certeza de que a Sua vitória é a nossa e de que nada do que for feito por amor a Ele ficará sem a sua recompensa!
Unidos pelo testemunho da fé até o fim!
Pe. Eduardo Braga (Dudu) Presbítero da Arquidiocese de Niterói/RJ


sábado, 4 de abril de 2015

Mensagem do papa - CADA UM DOS FIÉIS

          "Fortalecei os vossos corações" (Tg 5,8)

Também como indivíduos temos a tentação da indiferença. Estamos saturados de notícias e imagens impressionantes que nos relatam o sofrimento humano, sentindo ao mesmo tempo toda a nossa incapacidade de intervir. Que fazer para não nos deixarmos absorver por esta espiral de terror e impotência? Em primeiro lugar, podemos rezar na comunhão da Igreja terrena e celeste. Não subestimemos a força da oração de muitos! A iniciativa 24 horas para o Senhor, que espero se celebre em toda a Igreja - mesmo a nível diocesano - nos dias 13 e 14 de Março, pretende dar expressão a esta necessidade da oração. Em segundo lugar, podemos levar ajuda, com gestos de caridade, tanto a quem vive próximo de nós como a quem está longe, graças aos inúmeros organismos caritativos da Igreja. A Quaresma é um tempo propício para mostrar este interesse pelo outro, através de um sinal - mesmo pequeno, mas concreto - da nossa participação na humanidade que temos em comum. E, em terceiro lugar, o sofrimento do próximo constitui urn apelo à conversão, porque a necessidade do irmão recorda-me a fragilidade da minha vida, a minha dependência de Deus e dos irmãos.
Se humildemente pedirmos a graça de Deus e aceitarmos os limites das nossas possibilidades, então confiaremos nas possibilidades infinitas que tem de reserva o amor de Deus. E poderemos resistir à tentação diabólica que nos leva a crer que podemos salvar-nos e salvar o mundo sozinhos. Para superar a indiferença e as nossas pretensões de onipotência, gostaria de pedir a todos para viverem este tempo de Quaresma como um percurso de formação do coração, a que nos convidava Bento XVI (Carta ene. Deus cantas est, 31). Ter um coração misericordioso não significa ter um coração débil. Quem quer ser misericordioso precisa de um coração forte, firme, fechado ao tentador mas aberto a Deus; um coração que se deixe impregnar pelo Espírito e levar pelos caminhos do amor que conduzem aos irmãos e irmãs; no fundo, um coração pobre, isto é, que conhece as suas limitações e se gasta pelo outro. Por isso, amados irmãos e irmãs, nesta Quaresma desejo rezar convosco a Cristo: "Fac cor nosírum secundum cor tuum - Fazei o nosso coração semelhante ao vosso" (Súplica das Ladainhas ao Sagrado Coração de Jesus). Teremos assim um coração forte e misericordioso, vigilante e generoso, que não se deixa fechar em si mesmo nem cai na vertigem da globalização da indiferença.
Com estes votos, asseguro a minha oração por cada crente e comunidade eclesial para que percorram, frutuosamente, o itinerário quaresmal, enquanto, por minha vez, vos peço que rezeis por mim. Que o Senhor vos abençoe e Nossa Senhora vos guarde!
Papa Francisco



quarta-feira, 1 de abril de 2015

Mensagem do papa - AS PARÓQUIAS E AS COMUNIDADES

 "Onde está o teu Irmão?" (Gn 4,9)



Tudo o que se disse a propósito da Igreja universal é necessário agora traduzi-lo na vida das paróquias e comunidades. Nestas realidades eclesiais, consegue-se porventura experimentar que fazemos parte de um único corpo? Um corpo que, simultaneamente, recebe e partilha aquilo que Deus nos quer dar? Um corpo que conhece e cuida dos seus membros mais frágeis, pobres e pequeninos? Ou refugiamo-nos num amor universal pronto a comprometer-se lá longe no mundo, mas que esquece o Lázaro sentado à sua porta fechada (cf. Lc l6,19-31)? Para receber e fazer frutificar plenamente aquilo que Deus nos dá, deve-se ultrapassar as fronteiras da Igreja visível em duas direções. Em primeiro lugar, unindo-nos à Igreja do Céu na oração. Quando a Igreja terrena reza, instaura-se reciprocamente uma comunhão de serviços e bens que chega até à presença de Deus. Juntamente com os Santos, que encontraram a sua plenitude em Deus, fazemos parte daquela comunhão onde a indiferença é vencida pelo amor. A Igreja do Céu não é triunfante, porque deixou para trás as tribulações do mundo e usufrui sozinha do gozo eterno; antes pelo contrário, pois aos Santos é concedido já contemplar e rejubilar com o fato de terem vencido definitivamente a indiferença, a dureza de coração e o ódio, graças à morte e ressurreição de Jesus. E, enquanto esta vitória do amor não impregnar todo o mundo, os Santos caminham conosco, que ainda somos peregrinos. Convicta de que a alegria no Céu pela vitória do amor crucificado não é plena enquanto houver, na terra, um só homem que sofre e geme, escrevia Santa Teresa de Lisieux, doutora da Igreja: "Muito espero não ficar inativa no Céu; omeu desejo é continuar a trabalhar pela Igreja e pelas alma" (Carta254, de 14de Julhode 1897).
Também nós participamos dos méritos e da alegria dos Santos e eles tomam parte na nossa luta e no nosso desejo de paz e reconciliação. Para nós, a sua alegria pela vitória de Cristo ressuscitado é origem de força para superar tantas formas de indiferença e dureza de coração.
Em segundo lugar, cada comunidade cristã é chamada a atravessar o limiar que a põe em relação com a sociedade circundante, com os pobres e com os incrédulos. A Igreja é, por sua natureza, missionária, não fechada em si mesma, mas enviada a todos os homens. Esta missão é o paciente testemunho d'Aquele que quer conduzir ao Pai toda a realidade e todo o homem. A missão é aquilo que o amor não pode calar. A Igreja segue Jesus Cristo pela estrada que a conduz a cada homem, até aos confins da terra (cf.At l,8). Assim podemos ver, no nosso próximo, o irmão e a irmã pelos quais Cristo morreu e ressuscitou. Tudo aquilo que recebemos, recebemo-lo também para eles. E, vice-versa, tudo o que estes irmãos possuem é um dom para a Igreja e para a humanidade inteira.
Amados irmãos e irmãs, como desejo que os lugares onde a Igreja se manifesta, particularmente as nossas paróquias e as nossas comunidades, se tornem ilhas de misericórdia no meio do mar da indiferença!   
Papa Francisco