domingo, 26 de novembro de 2017

O Rosário na História


O Rosário na história: desde o começo até à consolidação da sua estrutura atual
É quase impossível voltar a percorrer com precisão os passos que levaram à atual estrutura do Rosário. Mas podemos, ao contrário, seguir o nascimento e o desenvolvimento dos motivos básicos, que se relacionaram entre si dando origem a uma síntese de sentido e a um método de oração.
Antes de mais, a oração contínua muitas vezes condensou-se numa fórmula breve. A este respeito é conhecido a sugestão de repetir: “Vinde depressa, Senhor, ter comigo, vós sois a minha ajuda” (Sl 69, 2; Cassiano, Conferência 10, 10), ou a exortação: “Respirai sempre Cristo” (Santo Atanásio, Vida de Antônio, 91, 3), da qual aparecerá o exicasmo. Mas a repetição levou à oração numérica, porque repetição e tempos de espera indeterminados geram ansiedade, enquanto um número apresenta um limite e um termo.
A oração numérica deu origem ao sentido do número: quantas fórmulas e em referência a quê? A resposta foi: em referência ao Saltério. Relacionada com esta intuição surgiu outra, a substituição, no sentido de que um determinado número de fórmulas breves substituiu os Salmos. A práxis fortaleceu-se sobretudo quando um número crescente de pessoas já não era capaz de ter acesso ao Saltério. Desta forma, verificou-se a substituição do Saltério com 150 fórmulas, ou a substituição das horas canônicas através de um número variante de Pater e Ave para cada uma. Foi dito num latim macarrônico: “Qui non potest psallere debet patere’ .’Quem não pode recitar os Salmos deve recitar alguns Pater” (Cf. Meersseman, Ordo fraternitatis III, págs. 1444-1445).
Com a tendência numérica, afirmou-se na oração a atenção aos “mistérios” de Cristo. Já presente nos Padres, a devoção à humanidade de Cristo para alguns derivaria da adoração da Cruz na Sexta-Feira Santa, cada vez mais carregada de ressonâncias afetivas e marianas. Desta tríplice tendência – mistérios de Cristo, dimensão mariana, ressonância afetivas – com vista ao Rosário interessam duas realizações: os Saltérios marianos e as meditações sobre a vida de Cristo.
Os Saltérios marianos começaram no século XII em algumas comunidades cistercienses com o uso de acrescentar aos Salmos uma antífona mariana. Derivou daqui a tendência para editar unicamente as antífonas e compor diretamente Saltérios marianos, como aquele que é atribuído a Santo Anselmo de Aosta (+ 1213), com 150 antífonas rítmicas derivadas do versículo de um salmo.
No que se refere às meditações, uma certa antecipação da estrutura do Rosário encontra-se nas Meditações sobre as alegrias da Santa Virgem do cisterciense Estêvão de Sallay (falecido em 1252), que propõe um exercício de oração de 15 “alegrias” marianas divididas em três secções. Se o número 15 e as alegrias relacionam o que se escreveu com o Rosário, a complexidade e o comprimento marcam a sua diferença. Foram mais decisivas em relação ao espírito do Rosário as Meditaciones vite Christi, do início de 1300, atribuídas a São Boaventura e agora a João de Caulibus e disponíveis numa edição crítica no volume 153 do CCCM. As meditações sobre a vida pública de Jesus começam com o batismo e concluem-se com a última ceia (cap. 16-73) e é prestada atenção à presença de Maria: a Ela Jesus pede a bênção antes do ministério público recebendo a sua resposta: “Vai, com a bênção do Pai e com a minha” (pág. 173, 9-10); a Ela, na ceia em Betânia (cap. 72), mesmo se a Escritura não fala disto (pág. 240, 2-3), Cristo revela a iminência da paixão e aparece-Lhe Ressuscitado (cap. 82) saudando-a: “Salve sancta parens” (pág. 301, 28-29). Mais determinante para o Rosário foi a Vita Jesu Christi e quattuor Evangelis et scriptoribus ortodoxis concinnatta ou Vida de Cristo, de Ludolfo de Saxónia (+ 1377), publicada em Estrasburgo em 1474 e que, em pouco tempo, chegou a 78 edições latinas. O autor, dominicano, e depois cartuxo, com um esquema vasto (da geração do Verbo à parúsia), com citações de Padres e de autores medievais, com a conclusão orante de cada capítulo, contribui para enraizar estavelmente a referência aos mistérios de Cristo na oração pessoal.

Mudaram também as fórmulas. No início, a mais usada foi o Pai Nosso, tanto que Paternoster designava o instrumento para contar as orações. Depois, devido a vários fatores – incluindo a tradução do Akathistos em latim por volta do século IX – começou a prevalecer o uso do Ave, como testemunham São Pedro Damião (+ 1072) e um sínodo parisiense realizado por volta de 1200, que acrescentou ao Pater e ao Credo o Ave como oração quotidiana a ser ensinada ao povo (PL 145, 564; Mansi 22, 681). Formou-se assim um “Rosário” de 50 Ave e um “Saltério” de 150 Ave, que já no século XIII era recitado por pessoas devotas individualmente ou em grupos, como a Santimónia de Gand.
No que diz respeito ao instrumento, no antigo Paladino fala-se de um certo Paulo que recitava 300 formas por dia, recolhendo “igual número de pequenas pedras que levava no peito lançando fora uma por cada oração feita” (História lausíaca 20, 1). Depois era usada uma corda com nós, que alguns dizem que se tenha afirmado, através da Espanha, por influência da corda enodada – a subha ou tashbi – que no islão servia e serve para contar os 99 Nomes divinos e para apoiar o dirk, isto é, a recordação do Nome: não é possível demonstrar esta derivação mas é bonito pensar que seja verdadeira. Entre os cristãos do Oriente afirmou-se um análogo terço de corda ou de lã denominado kombológion ou Komboskoínon (kómbos em grego significa nó).
Por fim, a influência do teatro como animação litúrgica e depois como representação dos mistérios fora da liturgia fundou o aspecto da criação de imagens da meditação e a referência visual do Rosário: o quadro ou as imagens de um livro.
A convergência de todos estes fatores exigia um método de oração que os simplificasse e os harmonizasse. Isto verificou-se com três intervenções decisivas mesmo se não estavam coordenadas.
A primeira foi a divisão do Saltério das 150 Ave em 15 dezenas, sendo cada uma delas precedida de um Pater (na época o Ave não incluía a atual Segunda parte nem assuntos a serem meditados). A operação é atribuída ao cartuxo Enrico Egher de Kalcar (+ 1408), que outros, e não ele, fazem remontar a uma sugestão de Nossa Senhora. A divisão era feliz porque conservava o número 150 – o Saltério – e ritmava o seu comprimento adotando o esquema decimal, o mais óbvio porque se baseava nos dedos das mãos.
A segunda intervenção remonta ao cartuxo Domingos da Prússia (+ 1460), que, partindo do Rosário das 50 Ave, uniu uma cláusula ao nome de Jesus variante para cada uma, compondo um rosário ininterrupto de 50 Ave e 50 cláusulas e inspirando-se num opúsculo que resumia a Vida de Cristo de Ludolfo. Este rosário era o espelho e o equilíbrio perfeito do seu tempo e talvez um equilíbrio absoluto. De fato, não substituía nem a liturgia nem a Escritura; unia a inspiração da oração numérica com a meditação dos mistérios de Cristo; concedia espaço ao que, comovendo, podia suscitar devoção (14 cláusulas à infância, 23 à paixão, apenas 7 à glória); permanecia aberto a toda a vida de Cristo com 6 cláusulas sobre a vida pública: Jesus, “que João batizou no Jordão, indicando-o como o cordeiro de Deus / que jejuou durante quarenta dias no deserto e que satanás tentou três vezes / que, tendo reunido os discípulos, anunciou ao mundo o reino dos céus / que restituiu a vista aos cegos, curou os leprosos, os paralíticos e libertou todos os que estavam oprimidos pelo diabo / cujos pés Maria Madalena lavou com as suas lágrimas, enxugou com os cabelos, beijou e cobriu de perfume / que ressuscitou Lázaro morto havia já três dias e também outros mortos”.
Mas a intervenção decisiva foi feita pelo dominicano bretão Alano de la Toche (+ 1475), que estabilizou o Rosário assumindo-o também como instrumento pastoral. Com esta finalidade, instituiu a primeira confraria entre 1464 e 1468, aprovada pela ordem dominicana a 16/5/1470: tratava-se de antigas confrarias que Alano revitalizou dando-lhes a oração do Saltério mariano, revigorando-as com a pregação e um novo impulso. Tudo isto tornou usual, naquele tempo, uma oração que por si só, talvez tivesse desaparecido com os seus inspiradores. Alano conhecia e recomendava muitos rosários ou saltérios, com o Pater ou com Ave, só cristológicos ou só marianos, com ou sem cláusulas. Mas preferia as 15 dezenas em virtude dos 15 Pater que, segundo uma crença, num anno honravam as feridas da paixão do Senhor, que teriam sido 5475, isto é, 365 (os dias do ano) vezes 15. Alano insistia sobre o Saltério: todos os dias os confrades deviam rezar com 150 fórmulas e evitar o mais possível a palavra rosário que, na época, tinha uma marca mundana. Entre as numerosas propostas de Alano encontra-se também o nosso atual Rosário, como um “Rezar diretamente dirigindo-se a Cristo. E assim, as primeiras cinquenta sejam rezadas em honra de Cristo encarnado. A segunda de Cristo que sofre a paixão. A terceira em honra de Cristo que ressuscita, que se eleva ao céu, que manda o Paráclito, que se senta à direita do Pai, que virá para julgar” (Apologia 14, 20). Por fim, Alano deu ao Saltério da Virgem um fundamento espiritual, reencontrando-o na oração dos monges, dos Padres, dos Apóstolos e da própria Virgem Maria, que o entregou de maneira particular a São Domingos. Este último é um clamoroso falso historiador, mas devemos reconhecer a habilidade de Alano, que impôs esta interpretação a toda a iconografia, e não só à iconografia.
Como passou o Rosário da fluidez ainda presente em Alano à estabilidade que conhecemos? Tratou-se de um processo ao mesmo tempo espontâneo e em estímulos convergentes nos quais agiram: certas preferências de Alano sobre os três grupos e sobre as 15 dezenas; o impulso unificador derivante da confraria; o uso do quadro e a exigência de um critério único de dispor os mistérios; a estabilização que sucede ao começo variado de qualquer experiência; a referência ao modo de lucrar as indulgências e, posteriormente, o clima da contra-reforma que tendia para a exatidão na oração.
Os mistérios são quase os atuais na xilografia de Francisco Domenech de 1488 e na área espanhola. Em Veneza, em 1521, Alberto de Castello publicava o Rosário da gloriosíssima Virgem Maria, mantendo 150 cláusulas, mas unindo a meditação com o Pater e denominando-a “mistério” e, por conseguinte, favorecendo a ordem atual. Deve notar-se que a publicação ainda considera o rosário uma oração visual, com 165 imagens, uma para cada Pater e Ave.
A intervenção de São Pio V foi principalmente a Bula Consueverunt (17/9/1569), na qual se lê que “o Rosário ou Saltério da Bem-Aventurada Virgem Maria” é uma “forma de oração” através da qual Maria “é venerada com a Saudação Angélica repetida 150 vezes segundo o número dos Salmos de David, intercalando cada dez Ave com a oração do Senhor, com meditações que ilustram toda a vida do mesmo Senhor Jesus Cristo”. Para uma leitura correta é preciso notar que não apresenta o elenco dos mistérios; não são mencionadas as cláusulas, mas sim o Saltério; a meditação parece estar ligada ao Pater (segundo a fórmula precedente de Alberto de Castello) e estende-se a “toda” a vida de Cristo.

De Alano em diante, incluindo o Magistério, deve-se observar que por meditação se entende sempre mais a oração mental – da qual o esquema de repetir as palavras meditando – e menos a repetição ligada aos lábios, segundo a sentença: “os iustii meditabitur sapientiam / os lábios do justo meditam a sabedoria” (Sl 36, 30). Além disso, os documentos papais até Leão XIII, excluindo-o, descrevem o Rosário principalmente em função de determinar as suas indulgências. Por fim, a referência ao Saltério foi-se enfraquecendo cada vez mais, e após a morte de Alano a confraria de Colônia passava a obrigação das 150 fórmulas de diária para semanal e autorizava a divisão em cinquenta.
A estabilização acima descrita acompanhará o Rosário até aos nossos dias, com a persistência das cláusulas na área anglossaxônica. O resto pertence a preciosismos destinados a não terem continuidade – como o Rosário místico dos dons excelentes e das graças que Deus deu à Bem-Aventurada Maria Madalena, do cartuxo Lanspergio (+ 1539) – ou a variáveis que não afetam a estrutura do Rosário, ou à história do seu uso pastoral. Paulo VI na MC 51 previa “exercícios de piedade que vão buscar a sua força ao Rosário”, mas que não alteravam a sua estrutura. A recente carta Apostólica RVM propõe novamente, refundindo-os de novo, alguns elementos de método (as cláusulas, mas não só) e de conteúdo (os mistérios da luz). Também isto já é história, mas nós ainda o vemos como atualidade.
Riccardo Barile
Professor na Faculdade Teológica
Dominicana de Bolonha





sábado, 25 de novembro de 2017

O Que Deus Espera de Nós




Quando amamos nos entregamos ao objeto de nosso amor, seja coisa ou pessoa. Entrega essa no sentido restrito de comprometimento, se bem que as vezes, a entrega é total no sentido pleno da palavra. Também quando amamos – pessoas naturalmente – esperamos que a recíproca seja verdadeira, ou seja, esperamos correspondência unívoca a esse amor. Amamos e ansiamos sermos amados; somos fiéis e exigimos fidelidade; comprometemo-nos (entregamo-nos) e esperamos compromisso. Em tudo esperamos, ansiamos, desejamos, exigimos uma contrapartida. Amamos e esperamos ser amados, fazemos o bem e esperamos o bem em nossa vida, somos caridosos e esperamos caridade, oramos a Deus e esperamos uma resposta ou uma atitude.

Nosso amor é condicional ou impõe condições.   Nosso amor é egoísta, egocêntrico, egonimo. Nosso amor é carnal. Longe de tratar-se de antítese corpo/alma, vivamos no espírito e não segundo as paixões da carne: ‘' Digo pois: deixai-vos conduzir pelo Espírito, e não satisfareis os apetites da carne; pois são contrários uns aos outros... Se vivemos pelo Espírito, vivamos também de acordo com o Espírito” (Carta de S. Paulo aos gálatas cap. 5, versos 16 e 25). Diante do preposto por S. Paulo, viver de acordo com o Espírito Santo é a chave, a premissa na vida de todo cristão. Ser impregnado pelo Espírito Santo (todo batizado o é), aquele que se abre a ação do Espírito Santo deixando-O assomar em si (quem se deixa batizar no Espírito) vivendo plenamente sob a ação do Espírito por certo fará a vontade de Deus, pois sabemos que o Espírito Santo é Deus próximo a nós. Sta. Edith Stein já dissera: “Espírito Santo, mais próximo de mim que eu de eu mesma, mais intimo de mim que o âmago de minha alma” . O Espírito Santo é Deus em nós; Aquele que nos confere a graça santificante. Portanto se quisermos fazer a vontade de Deus, deixemo-nos guiar por Ele através do Espírito Santo.

Deus nos ama de modo absoluto, todos sabemos disso. Pede que amemos, espera algo de nós, embora não faça disso uma condição. Acima está exposto o nosso modo de amar: condicional. O que Deus nos pede? O que Ele espera de nossa parte? A Palavra nos diz: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o coração, de toda tua alma, de todo teu espírito e amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22, 37.39). É a regra de ouro do cristianismo.  Eis o que Deus espera de nós: ágape, caritas, hessed, filos, não importa a origem linguística da palavra, o que Deus espera é que nos O amemos acima de tudo e de todos e nos amemos como irmãos. Se amamos respeitamos; se respeitamos não ofendemos; se assim agimos não transgredimos; se não transgredimos não pecamos. Eis a razão do Apóstolo S. Paulo nos exortar: “Ao viver sob a ação do Espírito Santo não se está submisso a lei”. (cf. Gl 5). Não que estejamos acima da lei, mas que sob a ação do Espírito jamais descumpriremos as leis, sejam humanas e acima de tudo as Divinas.   É o que Deus espera de nós.
                                
                           
  





sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Do pior para o melhor



O Papa Francisco começou a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium com palavras de fogo: “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria… O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem. Este é um risco, certo e permanente, que correm também as pessoas que creem. Muitos caem nele, transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida. Esta não é a escolha de uma vida digna e plena, este não é o desígnio que Deus tem para nós, esta não é a vida no Espírito que jorra do coração de Cristo ressuscitado” (Evangelii Gaudium, 1).
Os discípulos de Jesus de ontem e de sempre receberam de seu Senhor a tarefa de levar a Boa Notícia a todos. Não nos é possível o acomodamento, pois precisamos chegar aos confins da terra, e estes limites tantas vezes estão bem próximos de nós. Evangelizar significa proporcionar a todos, no anúncio do nome de Jesus Cristo, o reconhecimento da própria dignidade e a realização dos anseios de felicidade e à perfeita alegria, mesmo sabendo que a plenitude só se encontrará no Céu, no face a face do amor eterno com a Santíssima Trindade.
Diante da falta de esperança e a escuridão de uma verdadeira noite da cultura, que muitas vezes abate o ânimo da humanidade, com a crise de valores referenciais para os passos a serem dados, a Igreja nos faz a proposta de caminhar no seguimento de Cristo, o único que acende efetivamente as luzes necessárias para o nosso tempo. Buscamos um roteiro consistente, que permita às pessoas dar passos mais seguros!
Acreditar no bem que está no coração das pessoas e na potencialidade que foi nelas plantada pelo próprio Deus. Assim Jesus conduziu seus discípulos num caminho de formação, sem levar em conta o quanto eram limitados. Pedro, Tiago e João, ao subirem com Jesus ao Monte carregavam consigo suas inseguranças e limites. Jesus sabia da existência de uma semente do bem no coração de seus três amigos, assim como conhecia suas fraquezas. Dentro do coração daqueles homens e no coração de todas as pessoas existe o melhor de tudo, que foi plantado pelo próprio Deus. Ele não criou ninguém para a infelicidade! Jesus conduziu seus discípulos a um alto monte, onde se transfigurou. Apontar para o alto do monte. Para frente e para cima, esta é a direção a ser seguida, sem nivelar a existência pelo rodapé.
O Evangelho de São Lucas (Cf. Lc 9,28-36), acrescenta que subiram ao monte “para rezar”. É verdade! Quem olha para frente a para o alto percebe que há outros elementos e uma outra vontade, a de Deus, interferindo no rumo da história. Deus não nos abandona, mas está sempre presente, conduzindo os acontecimentos, sem violar nossa liberdade. Só ele é capaz de agir assim! Rezar significa abrir espaço para a intervenção de Deus.
Os erros existem, o pecado ronda em torno de nós de forma devoradora e destrutiva. Nossa tarefa é identificar o que existe de negativo, dar a nossa contribuição para aperfeiçoar as pessoas, as estruturas e a sociedade, propor soluções concretas para os problemas, sem acomodamento nem denuncismo destruidor, cujo fruto é somente o mal estar corrente em nossos dias, como se a raiva e a revolta conseguissem resolver os impasses.
Os três amigos de Jesus contaram com testemunhas de alto valor: Moisés e Elias – Lei e Profetas, a nuvem luminosa do Espírito que os envolveu e a voz do Pai. Em nossa aventura cotidiana, além da voz de Deus, é frequente contar com a ajuda das pessoas que convivem conosco. Apurar o que as outras pessoas fazem, como respondem aos problemas, ouvir o testemunho de gente envolvida, não desprezar o caminho feito por muitos que já apanharam muito para enfrentar dificuldades semelhantes, valorizando o fato de que temos na Igreja uma miríade de testemunhas, especialmente os santos e santas, que lutaram e se dedicaram, cada um em seu tempo e seu contexto de vida, para ajudar o mundo a ser melhor. Basta recordar o próprio Pedro: “Esta voz, nós a ouvimos, vinda do céu, quando estávamos com ele na montanha santa. E assim se tornou ainda mais firme para nós a palavra da profecia, que fazeis bem em ter diante dos olhos, como uma lâmpada que brilha em lugar escuro, até clarear o dia e levantar-se a estrela da manhã em vossos corações” (2 Pd 1,18-19).
 Após a magnífica experiência do Tabor, os discípulos voltaram para a planície do dia a dia surrado, marcado pelo contato com todos os problemas. Ainda por cima, tinham que ficar calados, até a ressurreição de Jesus! (Cf. Mt 17,9). Na maior parte das vezes, trata-se de acender as luzes em silêncio, iluminando a vida das pessoas com o exemplo, outras vezes é o serviço da consolação, feito de escuta e de palavras encorajadoras, para mostrar-lhes o bem existente em seu interior. Vale ainda o esforço para recolher os fragmentos do bem, existentes no meio de tanta maldade. Tudo isso há de ser vivido com o sereno otimismo da fé, com o qual nos firmamos na terra, mas o olhar voltado para e eternidade, aquela que, em Cristo, já está presente em nossa história.
 Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará
Assessor Eclesiástico da RCCBRASIL



sábado, 11 de novembro de 2017

Um coração que gera vida nova


     Ter um encontro pessoal com Jesus é a vida nova que muitos buscam. Santa Margarida Maria Alacoque (1647-1690) é um verdadeiro testemunho da novidade gerada a partir da íntima comunhão com Cristo. Desde criança, através de uma oração sincera, fez seu desejo de consagração ganhar amplitude em sua vida.
       O constante encontro com o Senhor fez desta singela santa, a portadora de uma devoção que transcorre a história. Mais do que isto, podemos aprender facilmente qual é o caminho e como se percorre. Na devoção ao Sagrado Coração, motivada por Santa Margarida e rapidamente difundida, notamos a disposição de Jesus em nos presentear com uma vida nova, assim como fez com a precursora de tal devoção. De nossa parte, cabe apenas o esforço de ir ao encontro Dele.
      O Coração Sagrado de Jesus se abre a nós como a fonte da qual jorra água viva, a água que sacia, a água nova. É do Coração de Jesus que nasce uma vida pautada em realizar a sua vontade. O ardor que brota deste amabilíssimo coração é o que nos impulsiona a viver por Ele, como acontece com muitos que veem através desta devoção, o nascimento de uma vocação, como realização da vontade de Deus.
      Todos aqueles que buscam uma vida de intimidade com Cristo, são convidados a exercitar o amor por este Coração, pautando nele a razão de viver.
É interessante perceber ainda, o grande número de Grupos de Oração espalhados pelo Brasil que levam esse nome e essa devoção adiante, manifestando e divulgando a experiência que tiveram e, ainda, provando que o coração de Jesus também gera vida nova na vivência com os irmãos.
      Peçamos, de maneira especial, no dia de hoje, a graça de tocarmos no Sagrado Coração. Pela nossa fé, desejemos ser um com Jesus. Mergulhemos nesta fonte de amor, nesta fonte que gera vida.
       Vamos, sem medo e confiantes, ao encontro daquele que nos espera com o coração aberto a acolher nossa pequenez, nossa pobreza, nossa sinceridade. Vamos ao encontro do Coração que quer transformar nossa história. Vamos ao encontro do Sagrado Coração de Jesus e deixemos Ele nos encontrar.
       Sagrado Coração de Jesus, nós confiamos em vós!
                      Rodrigo Ribas- Seminarista Diocesano de Ponta Grossa (PR)
                             Secretário Nacional do Ministério para Seminaristas 
R

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Quem vence a si mesmo vencerá todas as dificuldades

A temperança é o domínio de si pela ação do Espírito Santo, a moderação no agir, o controle sobre os impulsos da mente e do coração. É a entrega ao mover do Espírito Santo, que coloca em nossas mãos as rédeas do nosso próprio eu diante daquilo que poderia nos desordenar.

A temperança "modera a atração pelos prazeres e procura o equilíbrio no uso dos bens criados. Assegura o domínio da vontade sobre os instintos e mantém os desejos dentro dos limites da honestidade. A pessoa temperante orienta para o bem seus apetites sensíveis, guarda uma santa discrição e não se deixa levar a seguir as paixões do coração." (CIC1809), pois tem a medida certa, dada pelo agir do Espírito Santo em si.
O domínio de si é indispensável para a maturidade humana e espiritual. Neste caminho, deveremos necessariamente identificar nossas fraquezas, descobrir as causas das nossas quedas e não temê-las, pois inúmeras vezes as quedas são ocasionadas pelos prazeres que nos escravizam impedindo o progresso humano e espiritual. Somos chamados a perceber que o "domínio" do mundo que Deus outorgou ao homem na criação realizava-se antes de tudo no domínio de si mesmo, conforme nos ensina o número 377 do Catecismo da Igreja Católica.
Santo Afonso de Ligorio diz que quem vence a si mesmo, facilmente vencerá todas as dificuldades. Como sem Deus nada podemos fazer (Cf. Jo 15,5), quanto mais nos abrimos à ação do Espírito Santo, mais crescemos na graça conscientes de que "o domínio de si mesmo é um trabalho a longo prazo. Nunca deve ser considerado definitivamente adquirido. Supõe um esforço a ser retomado em todas as idades da vida. O esforço necessário pode ser mais intenso em certas épocas."(CIC 2342)
No entanto, certamente, a cada dia a temperança nos levará a experimentar o sabor divino da ação do Espírito Santo em nós que testifica a submissão do nosso ser a Deus e revela a árvore a qual estamos ligados (Cf. Mt 7,20). E Galhos que somos, ofertaremos saborosos frutos que alimentarão até a vida eterna. 
 Keila Souza - Presidente do Conselho Estadul da RCC do Distrito Federal