sábado, 24 de setembro de 2016

VOCAÇÃO DE PAI


Pai e filho têm mútua dependência para sua razão de ser, a começar pelo Criador. A relação entre Ele e seu Filho, Jesus Cristo, é de vital importância para que a paternidade e a filiação humana encontrem respaldo na sua razão de ser. Ao contrário, temos apenas a prole e a paternidade no aspecto físico. A relação de Deus nas suas pessoas de Pai e Filho é de um amor inacreditável e absoluto. A paternidade e a filiação no que se refere a nós humanos,  vinculada à ligação com Deus, torna-se fecundante e de vocação realizadora para a família. Ao contrário, torna-se sem  finalização na consecução de seu objetivo existencial, que repousa em Deus.
Nessa perspectiva, a vocação da paternidade humana é realizadora quando preparada e assumida como verdadeira missão de amor. Não pode ser substituída apenas por um vínculo de geração física ou mesmo de relação adotiva por pura sensibilidade emocional, pragmática ou interesseira. Ser pai significa gerar um ser para uma vida realizadora, com relação amorosa, amiga, compreensiva, terna e promocional na vida humana transmitida e cuidada. Ser filho vem a ser a recepção da vida com gratidão, retribuição do amor, exercício do diálogo, da compreensão e da aceitação de um projeto existencial, com vontade de caminhar no mútuo apoio da ação paterna.
O ser pai depende do ser da mãe para o exercício da paternidade, com a responsabilidade de ação de dois corações que se interagem para amar a criatura gerada por ambos. O amor mútuo e geracional do pai e da mãe fazem com que os filhos aprendam que o amor em profundidade é plural e complementar na conjugação do homem e da mulher. Assim  a filiação tem um amor plenificado pela masculinidade e feminilidade. A filiação adotiva encontra também esse eco ideal de amor no aprendizado de pai e mãe.
Jesus, o Filho de Deus, sempre mostrou sua íntima relação de amor com o Pai, de modo especial com seus momentos de preces especiais com Ele em lugares apartados do povo. Ele quis mostrar também, de modo humano, sua ligação com a mãe e o pai adotivo, que sempre agiram em consonância com a vontade do Pai Deus. Desde antes do casamento com José, Maria se manifestou ao anjo com o desejo de cumprir o que Deus queria dela. Aceitou o casamento, para dar, à criança que teria, o aconchego do lar ideal para o filho.
Mesmo na pluralidade atual de formação de famílias, não fica diminuída a família preparada com o ideal da vocação ao matrimônio, de acordo com o original do Criador. Aliás, esta é a família autêntica. Dentro dessa perspectiva, teremos uma sociedade de mais filhos saudáveis física, psíquica, social e espiritualmente. Assim formaremos melhor a família humana com os critérios já naturais de plena realização e, o que se dirá do enfoque sobrenatural do equilíbrio afetivo e realizador do Ideal que não se fixa apenas em interesses físicos e de objetivos menores e passageiros! A família humana, sem o transcendente de sua vocação, se animaliza e não é capaz de enxergar o sentido da mesma com sua plena realização!

Dom José Alberto Moura
Arcebispo de Montes Claros (MG)

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

A intercessão nos impulsiona para uma parceria sagrada com Jesus


Muitas vezes focamos o Ministério de Jesus, de ensino, cura e libertação durante a sua vida pública. No entanto, o ministério eterno de Jesus é a intercessão, conforme a Carta aos Hebreus nos diz: “Agora, porém, Cristo recebeu um ministério superior. Ele o mediador de uma aliança bem melhor, baseada em promessas melhores” (Hb. 8,6). Como Deus-homem, Jesus fica entre Deus e o homem, participando das naturezas de ambos e, por esse fato, sendo mais apto a atuar como mediador entre Deus e o homem.
Ele é o mediador no sentido absoluto da palavra, de uma forma que ninguém mais pode ser. “Porque há um só Deus e há um só mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo, homem que se entregou como resgate por todos...” (1Tm. 2,5-6). O objetivo principal de sua mediação é a salvação de cada pessoa humana no sentido de restaurar a amizade entre Deus e o homem.
A expiação pelos pecados realizou-se na Cruz. A paixão de Cristo, culminando em sua morte na Cruz, é o maior ato de intercessão oferecido por Jesus. Depois de ter morrido e ressuscitado dos mortos, o Ministério de Intercessão de Jesus continua à direita de Deus, para onde Ele ascendeu: “Quem os condenará? Cristo Jesus, que morreu, ou melhor, que ressuscitou, que está à mão direita de Deus, é quem intercede por nós!” (Rm. 8,34).
Jesus viveu em Nazaré por trinta anos, após o que Ele se empenhou em seu Ministério público por três anos. Agora Ele intercede à direita do Pai para que todos possam ser salvos. “É por isso que lhe é possível levar a termo a salvação daqueles que por ele vão a Deus, porque vive sempre para interceder em seu favor.” (cf. Hb 7,25).
A obra que permanece inacabada é a intercessão, porque milhões ainda estão para ser salvos. Na verdade, saber que Jesus continua seu Ministério de Intercessão à direita de Deus é bastante edificante e encorajador para nós. Isso implica que Jesus tem se empenhado no Ministério de Intercessão por mais de dois mil anos. Também fica claro que a intercessão é a mais alta prioridade na mente de Jesus. E continuará até que Ele volte em glória para julgar os vivos e os mortos. Isso não deixa dúvidas sobre a importância inestimável da intercessão para a salvação das almas.
A intercessão nos impulsiona para uma parceria sagrada com Jesus Cristo, o filho de Deus entronizado. A Escritura chama todos os cristãos de cooperadores de Deus (cf. 1Cor. 3,9; 2Cor. 6,1). “Vós, porém, sois uma raça escolhida, um sacerdócio régio, uma nação santa, um povo adquirido para Deus...” (1Pe. 2,9). Jesus quer que nós, os escolhidos, sejamos seus parceiros no Ministério de Intercessão.
Na intercessão, entramos no círculo onde partilhamos o mesmo fardo com Jesus e somos capazes de ouvir o clamor das pessoas que ainda estão para serem salvas. Jesus entregou sua vida em favor de cada pessoa que já viveu nesse mundo. E agora, como nosso Sumo Sacerdote ou Intercessor, Ele vive sempre para levar pessoas a aceitarem sua proposta de salvação conquistada por sua Paixão, Morte e Ressurreição.
Ó maravilhosa intercessão de nosso bendito Senhor Jesus, não só porque garantiu nossa aceitação e perdão pelo Pai, mas também porque nela nos tornamos parceiros e cooperadores atuantes. Agora, entendemos melhor o que é interceder e por que tal ação possui tanto poder. Deus Filho é o nosso intercessor entronizado e Deus Espírito Santo é o intercessor que mora em nós, unindo-nos a Deus Pai em nossa intercessão. Jesus nos chama para sermos seus cooperadores ou parceiros na intercessão, algo que devemos considerar uma grande honra.
Que nossa intercessão se torne nossa vida de comunhão com Deus. Descobriremos, assim, que não só se cumprirão as promessas do poder de Deus no nosso Ministério, mas, muito mais importante, ao permanecermos em Cristo e ele em nós, seremos participantes da própria alegria dele de abençoar e salvar vidas.
Deixemo-nos ser parceiros com Jesus, o intercessor por excelência!
Deus te abençoe!
Núcleo Nacional do Ministério de Intercessão



sábado, 10 de setembro de 2016

A boca fala daquilo que o coração está cheio



Um ditado popular diz: "O peixe morre pela boca". O quanto há de verdadeiro nesta metáfora? A Bíblia em Tiago 3,5-6 diz claramente que a língua pode ser causa de perdição. Esse pequeno membro pode fazer tanto estrago na vida das pessoas tanto quando uma arma letal. Parece exagero, mas não é; uma arma fere o corpo, pode ou não deixar sequelas que com tratamento médico adequado são com relativa facilidade curadas ou minimizadas. A língua pode não ferir e realmente não fere o corpo, mas geralmente fere e fere profundamente a alma, trazendo consequencias graves ao emocional e na psique das pessoas vitimadas por injurias e agressões verbais.
Sim, o peixe morre pela boca e o difamador, o fofoqueiro, o maldizente, o falastrão também. "A língua contamina todo o corpo e inflamada pelo inferno incendeia o curso de nossa vida" (cf. Tg 3,6). Isto é uma advertencia aos contumazes usuários das palavras de maldição, das ameaças, das ofensas, das mentiras difamatórias, do julgamento, enfim, do uso da língua como instrumento de maldade, não de bençãos.
Neste contexto podemos citar também a passagem bíblica em Mt 7,1-5: "Não julgueis e não sereis julgados; porque do mesmo modo que julgardes sereis também vós julgados e com a mesma medida que medirdes sereis vós medidos. Por que olhas a palha que está no olho do teu irmão e não vês a trave que está no teu? Hipócrita! Tira primeiro a trave que está no teu olho e assim verás para tirar a palha do olho do teu irmão". Carissimos irmãos, o Senhor aqui nos adverte que devemos ser caridosos e prudentes com as atitudes dos outros. Isto não significa ser complacente com os erros, mas antes de emitir qualquer juízo de valor, olhar para si mesmo numa auto análise crítica e perceber que muito daquilo que criticamos nos outros é inerente a nós mesmos. Assim, no âmago da questão observamos que os que criticam e julgam já condenando, estão na verdade projetando sua própria idiossincrasia. É um ato de defesa; ataco primeiro e diminuo as chances de ser atacado. Desnudo o adversário e me revisto de uma capa de integridade. É verdadeiramente uma estratégia de dissimulação, na medida em que aponto os defeitos do outro enquanto escondo os meus.
Por isso as palavras duras de Jesus, que não são acusatórias, entrementes são palavras de advertência que nos levam a refletir, examinar minuciosamente nossa consciência para que possamos nos livrar da tendência perniciosa da julgar o próximo. Afinal a boca fala daquilo que o coração está cheio. Se comemos cebola nosso hálito certamente não será de hortelã.





sexta-feira, 2 de setembro de 2016

A IGREJA VIVE DA PALAVRA


Artigos - ASJ
O Sínodo dos Bispos sobre "A Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja", que aconteceu em outubro, deverá ser um marco importante e decisivo da presença da Bíblia na Igreja Católica. Este lema, que presidiu os trabalhos do Sínodo, fala bem da importância maior que a Bíblia deveria ter para todos os católicos. Nestas palavras, vamos cingir-nos apenas à VIDA. Vida é, em primeiro lugar, conhecimento da Bíblia; pois esta nunca entrará realmente na vida dos cristãos em particular e na vida da Igreja em geral, sem que a conheçamos previamente; pois não é possível viver o cristianismo sem conhecer o Livro onde está escrito o que é ser cristão. Ora, este conhecer implica necessariamente termos e ações que são estranhos a muitos católicos: estudo da Bíblia, participação em cursos de formação bíblica, uso diário da Bíblia, a sua utilização na catequese, na pregação, na oração diária. (Dei Verbum, 25).

Este conhecimento da Bíblia, como Palavra de Deus, levará a amar a Palavra, e só o amor à Palavra pode levar ao "casamento" com a Palavra e a ter uma vida em comum com ela, ou seja, com o Deus da Palavra. Nada disto carece de ser provado, pois ninguém ama o que desconhece. Com maior razão, não é possível viver uma Palavra que se desconhece. Portanto, a Bíblia é o livro dos cristãos em geral e de cada cristão em particular. Cada um de nós, que se diz cristão, deveria possuir a sua Bíblia pessoal e levá-la sempre consigo, como quem leva um amigo íntimo, de quem não consegue separar-se. Só neste contato íntimo e permanente com o Deus da Bíblia - e não há outro! - será possível colocar a Bíblia na vida dos cristãos católicos individualmente, na vida das comunidades cristãs, a fim de que as palavras da Bíblia sejam o paradigma, o ponto de referência fundamental da vivência dos nossos cristãos. As intervenções dos padres sinodais vão neste sentido, tentando apresentar meios para que este ideal se torne uma realidade na Igreja do Século XXI.

O Movimento de Dinamização Bíblica dos Franciscanos Capuchinhos - que é anterior ao Vaticano II - tentou, desde meados do século passado, levar a Bíblia ao povo, que é o mesmo que levar-lhe o Deus da Bíblia. Um slogan resume esta atividade: "Com a Bíblia na mão e o Deus da Bíblia no coração". A formação bíblica nem sempre encontrou o ambiente capaz, o terreno bem preparado para dar frutos. E penso que é isso que falta na Igreja. Não havendo uma pastoral bíblica a nível nacional, diocesano e local, todos os esforços individuais são dificilmente aceitos, e o trabalho torna-se, em grande parte, inglório.

Depois do Sínodo a Igreja não pode continuar a ser a mesma. Ele deve marcar um antes e um depois na relação dos católicos com a Bíblia, isto é, com o próprio Deus falante da Bíblia. De fato, estes têm feito uma dicotomia anti-teológica, operando uma diferença entre Deus e a Bíblia, entre Deus e a sua Palavra, quando se trata, fundamentalmente, da mesma coisa. Isto acontece quando pensam prestar um verdadeiro culto a Deus, sem prestar atenção à sua Palavra. Mais ainda, os católicos têm feito outra dicotomia ilegítima entre sacramentos e palavra de Deus, quando, na realidade, os sacramentos supõem a Palavra, já que não pode haver sacramentos - e outros rituais litúrgicos - sem a raiz da palavra de Deus.

Para obviar a tudo isto, é necessário que sejam criadas verdadeiras estruturas pastorais dentro da Igreja e pela Igreja, para dar o devido relevo à Palavra. A "Dei Verbum 21" colocou a premissa teológica há 43 anos, na qual se dá o mesmo valor à Palavra e à Eucaristia (e sacramentos): "A Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, não deixando jamais (.) de tomar e distribuir aos fiéis o pão da vida quer da mesa da Palavra de Deus, quer do Corpo de Cristo".

Ora, estas estruturas apenas serviriam para pôr em prática a "Dei Verbum" de há 43 anos! Estas estruturas deveriam ter um alcance maior que a simples criação dos ministros da Palavra, que foram objeto de algumas intervenções no Sínodo. Ora, o Sínodo deve ir mais longe - esperemos que vá - criando, por exemplo, a Escola da Palavra, ou a Escola Bíblica paroquial, como meio de dar o devido relevo à Palavra nas comunidades. Porque é que o pároco há de ter como tarefa fundamental a celebração da Eucaristia.