sábado, 16 de janeiro de 2016

Inquisição: uma breve história


Não, o seu professor anticlerical e marxista não contou a você a história real, documentada e objetiva.
Quando falamos das culpas passadas dos membros da Igreja católica, a primeira coisa que nos vem à mente é a Inquisição, o tribunal eclesiástico instituído a partir do século XIII para julgar os casos de heresia. Apesar de estarmos séculos de distância dos acontecimentos, é natural que o tema suscite polêmicas e o afloramento das paixões, podendo as pessoas se identificarem com um ou outro lado dos conflitos de outrora. Julgando ser necessário colocar o dedo nessa “ferida” histórica, o papa João Paulo II apontou a necessidade de um juízo com objetividade crítica, motivo pelo qual o Vaticano organizou no ano de 1998 um simpósio com diversos pesquisadores e estudiosos, católicos e não-católicos, para que juntos debatessem questões históricas acerca da Inquisição.
O que pretendo nessas linhas é fazer uma síntese dos aspectos históricos da Inquisição. Não busco fazer uma apologia nem um revanchismo. Faz parte da maturidade de posicionamento reconhecer que aqueles com os quais nos identificamos em matéria de crenças e valores são também passíveis de erro.
Aspectos históricos
Primeiramente, é preciso estabelecer uma precisão de termos: seria mais correto falarmos de Inquisições, no plural, haja vista que, depois do século XV, havia na Europa três inquisições em funcionamento: a Inquisição Portuguesa, a Inquisição Espanhola e o Tribunal do Santo Ofício Romano. Esses três tribunais originam-se, contudo, de um tribunal eclesiástico instituído pelo papado no século XIII. Para entendermos melhor a questão toda, é preciso regressar aos tempos do Império Romano.
Quando o imperador Constantino converteu-se ao cristianismo e deu liberdade de culto aos cristãos, no ano 313, sua política religiosa não diferia muito dos antecessores. Assim como os imperadores romanos precedentes haviam tolerado os cultos juridicamente lícitos, mas favorecido pessoalmente os cultos de suas preferências, Constantino tolerou os demais cultos, concedendo ao clero da Igreja cristã os mesmos privilégios que o Império já facultava aos sacerdotes pagãos. Contudo, a aproximação com o Império também introduziu querelas políticas no meio eclesiástico: grandes disputas doutrinais tornavam-se então conflitos que podiam desestabilizar a almejada unidade imperial. Dessa forma, os imperadores romanos passaram não só a convocar Concílios da Igreja, como também a exilar os líderes heréticos. Contudo, os Padres eram contrários à execução dos hereges, e as querelas doutrinais da época, por mais acaloradas que fossem, ainda não tinham o caráter tumultuoso que marcaria os grandes movimentos heréticos da época feudal.
Por volta do século XI é que surgem nos reinos feudais da Europa os primeiros processos eclesiásticos para julgamento de heresias. Dirigidos pelos bispos locais, esses processos impunham somente penas espirituais aos processados: penitências, excomunhões etc. Nessa mesma época, temos notícia das primeiras execuções de hereges na fogueira pelo poder secular, a mando do rei Roberto I da França. É preciso, contudo, observar que, a partir desse período, os movimentos heréticos adquirem um caráter de maior contestação social, na medida em que se apresentam muitas vezes como adversários da hierarquia, seja do clero, seja dos reis e senhores feudais. Assim, a heresia tornava-se não mais um problema unicamente interno de disciplina eclesiástica, mas também um problema de ordem pública.
O caso mais significativo desse novo tipo de movimento herético era o catarismo, surgido no sul da atual França. Pregando uma doutrina maniqueísta (haveria dois deuses: o bom, criador das coisas espirituais, e o mau, criador das coisas materiais), os cátaros conseguiram entre os séculos XII e XIII o apoio de alguns senhores feudais do Languedoc, agindo muitas vezes de forma violenta contra a hierarquia eclesiástica ou contra os que não seguiam as suas doutrinas. A primeira ação repressiva de parte do papado veio com a decretal Ad Abolendam, do papa Lúcio III, em 1184: o pontífice romano exortava os príncipes seculares a combaterem as heresias em seus territórios. Após o envio de monges da ordem cisterciense e de uma expedição militar de Cruzada contra os nobres do Sul da França, o papa Inocêncio III instituiu na passagem dos séculos XII e XIII os “inquisidores da fé”, isto é, indivíduos que representavam o papa na missão de investigar os casos de heresia.
O crescimento do catarismo em outras regiões da Europa, bem como a confusão existente acerca das atribuições dos poderes eclesiástico e secular nos casos de heresia, acirrou-se no século XIII, tendo o imperador germânico Frederico II (na época em conflito com o papado por questões políticas acerca da Itália) estabelecido leis contra os hereges. Como forma de centralizar as questões jurídicas de heresia, o papa Gregório IX estabeleceu em 1231 o Tribunal da Santa Inquisição, regulamentando os inquisidores papais que haviam sido instituídos anteriormente por Inocêncio III. Assim, o papado afirmava que, embora a aplicação das penas coubesse ao poder secular, este não teria competência para julgar em matéria de doutrina, definindo o que era herético ou não.
A Inquisição era um tribunal eclesiástico, formado por clérigos e religiosos (embora em alguns períodos também existissem inquisidores leigos) com jurisdição unicamente sobre os batizados católicos. Esse tribunal buscava investigar casos de heresia dentro da Igreja, principalmente os heresiarcas (hereges que difundiam e propagavam suas heresias). Tratava de impor as penas espirituais (penitências, excomunhões, interditos), enquanto, nos casos mais graves, entregava os réus ao braço secular, que aplicava as penas físicas e materiais (confisco de bens, demolição da casa ou morte).

O esquema montado pelo tribunal era centrado na busca da confissão do réu e do seu arrependimento, contrário ao sistema mais comum nos meios seculares da época, onde havia o chamado “duelo judiciário” (as duas partes duelavam e a parte vencedora do duelo era automaticamente a vencedora da causa jurídica). Mesmo com a autorização do uso de castigo físico (aplicado pela autoridade secular) pelo papa Inocêncio IV na bula Ad Extirpanda, este era limitado em duração e formas (proibiam-se mutilações, fraturas e derramamento de sangue), além de ser obrigatória a presença de um médico nas sessões. O método mais utilizado para obter a confissão dos réus, no entanto, era o interrogatório (os manuais de inquisidores ensinavam a obter confissões apenas mediante o desenrolar da conversa com o réu). Alguns teólogos da época justificavam a utilização de penas físicas aos hereges não em virtude de suas crenças (pois a Igreja sempre considerou que não se pode converter à força), mas por causa do perigo de que eles levassem outros a crerem em suas heresias e das suas ações violentas de perturbação da ordem, o que dava ao poder secular pleno direito de agir (alguns grupos, como os cátaros, cometiam assassinatos em nome de suas crenças heréticas).
(continua...)

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