"Amai-vos uns aos outros como eu vos amei" (Jo 13,
34; Jo 15, 12). Ao saberem do mandamento que agrada mais a Jesus, seus
discípulos de todos os tempos se surpreendem e descobrem horizontes abertos e
antes inimagináveis para sua vivência do seguimento de Jesus. A novidade e o
segredo se encontram numa palavra, "como"! Nosso Senhor não lhes
oferece normas de bom comportamento ou civilidade, ou regras para o trânsito da
vida, numa convivência respeitosa. Em nosso tempo, há sociedades extremamente organizadas,
com os limites bem definidos em direitos e deveres, e que ao mesmo tempo se
tornam frias e secas no relacionamento humano. É que as fontes das decisões
ficaram restritas à terra, sem que as pessoas se abram ao transcendente, à vida
que vem do Céu! A pretendida laicidade do Estado tem produzido muitos frutos
negativos. Já o Concílio Vaticano II (Gaudium et Spes, 36), alertava: "Se
com as palavras 'autonomia das realidades temporais' se entende que as
criaturas não dependem de Deus e que o homem pode usar delas sem as ordenar ao
Criador, ninguém que acredite em Deus deixa de ver a falsidade de tais
assertos. Pois, sem o Criador, a criatura não subsiste. De resto, todos os
crentes, de qualquer religião, sempre souberam ouvir a sua voz e manifestação
na linguagem das criaturas. Antes, se se esquece Deus, a própria criatura se
obscurece".
Se praticamente todos os seres humanos, em algum momento,
reconhecem a existência de Deus, há um valor que só pode ser experimentado por
revelação, o fato de sermos filhos de Deus. Só aquele que é o Filho eterno do
Pai, desde toda eternidade compartilhando a alegria do amor que é o Espírito
Santo, pode anunciar e abrir as portas para que a humanidade compartilhe este
valor único, "somos filhos de Deus". E é do alto, por dom de Deus,
que desce gratuitamente o presente do amor da Santíssima Trindade, para que nos
amemos na terra como fomos amados. Jesus traz consigo uma "cultura"
diferente das lutas pelos interesses individualistas presentes na humanidade,
cujos resultados são sobejamente conhecidos, e têm nomes como guerras,
opressão, violência e muitos outros.
Podemos pedir licença e entrar na casa da Santíssima
Trindade, verificando como vivem as pessoas divinas, com a ajuda dos
ensinamentos da Igreja (Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 45-48):
"O mistério central da fé e da vida cristã é o mistério da Santíssima
Trindade. Os cristãos são batizados no nome do Pai e do Filho e do Espírito
Santo. Deus deixou alguns traços do seu ser trinitário na criação e no Antigo
Testamento, mas a intimidade do seu Ser como Trindade Santa constitui um
mistério inacessível à razão humana sozinha, e mesmo à fé de Israel, antes da
Encarnação do Filho de Deus e do envio do Espírito Santo. Tal mistério foi
revelado por Jesus Cristo e é a fonte de todos os outros mistérios. Jesus
Cristo nos revela que Deus é Pai, não só enquanto é Criador do universo e do
homem, mas sobretudo porque, no seu seio, gera o Filho, que é o seu Verbo,
'resplendor da sua glória, e imagem da sua substância' (Hb 1, 3). O Espírito
Santo, que Jesus Cristo nos revelou, é a terceira Pessoa da Santíssima
Trindade. Ele é Deus, uno e igual ao Pai e ao Filho. Ele procede do Pai (Jo 15,
26), o qual, princípio sem princípio, é a origem de toda a vida trinitária. E
procede também do Filho, pelo dom eterno que o Pai faz de Si ao Filho. Enviado
pelo Pai e pelo Filho encarnado, o Espírito Santo conduz a Igreja 'ao
conhecimento da Verdade total' (Jo 16, 13). A Igreja exprime a sua fé
trinitária confessando um só Deus em três Pessoas: Pai e Filho e Espírito
Santo. As três Pessoas divinas são um só Deus, porque cada uma delas é idêntica
à plenitude da única e indivisível natureza divina. Elas são realmente
distintas entre si, pelas relações que as referenciam umas às outras: o Pai
gera o Filho, o Filho é gerado pelo Pai, o Espírito Santo procede do Pai e do
Filho". O Pai vive "fora de si", gerando e amando o Filho, desde
toda a eternidade. O Filho vive totalmente para o Pai e o Espírito Santo é amor
do Pai e do Filho. A lei é esta! Não se vive para si, mas na doação contínua,
desde a eternidade. "Por causa desta unidade, o Pai está todo inteiro no
Filho, todo inteiro no Espírito Santo, o Filho está todo inteiro no Pai, todo
inteiro no Espírito Santo; o Espírito Santo, todo inteiro no Pai, todo inteiro
no Filho" (Catecismo da Igreja Católica, 255).
Jesus propõe nada menos do que esta vida para seus
discípulos, quando propõe como "seu" mandamento o amor recíproco. É
que trazia dentro de si a experiência da eternidade vivida na comunhão da
Santíssima Trindade! E ele diz que "este mandamento é 'novo'. 'Eu vos dou
um novo mandamento'. 'Novo significa: feito para os 'tempos novos'. Então, de
que se trata? Veja: Jesus morreu por nós. Portanto, nos amou até a medida
extrema. Mas que tipo de amor era o seu? Certamente não era como o nosso. O seu
amor era, e é, um amor 'divino. Ele disse: 'Como meu Pai me ama, assim também
eu vos amo' (Jo 15,9). Ele nos amou, portanto, com o mesmo amor com qual Ele e
o Pai se amam. E com esse mesmo amor nós devemos nos amar mutuamente para
realizar o mandamento 'novo'. Na realidade, porém, você como homem, como
mulher, não possui um amor dessa natureza. Mas se alegre porque, como cristão,
você o recebe. E quem é que o doa? É o Espírito Santo que o infunde no seu
coração, nos corações de todos os que têm fé. Existe, então, uma afinidade
entre o Pai, o Filho e nós cristãos, graças ao único amor divino que possuímos.
É esse amor que nos insere na Trindade. É esse amor que nos torna filhos de
Deus. É por esse amor que o Céu e a terra estão unidos como que por uma grande
corrente. Por esse amor a comunidade cristã se insere na esfera de Deus e a
realidade divina vive na terra lá onde existe o amor entre os que creem"
(Chiara Lubich, 25 de abril de 1980).
Temos uma nova lei a implantar, primeiro em nossos corações,
para depois contagiar outras pessoas e a sociedade, "em nome do Pai e do
Filho e do Espírito Santo". Não se trata de fazer uma cruzada para forçar
pessoas à conversão, mas testemunho corajoso de valores diferentes. Quem assume
como própria esta lei começa a ouvir mais, vai ao encontro dos outros para
servir, toma sempre a iniciativa do amor, espalha o perdão, tem calma
suficiente para não atropelar os passos no relacionamento com os outros,
valoriza o que é diferente e tem ideias novas. Olhando para o Céu, enxerga mais
e melhor a terra, para transformá-la segundo plano de Deus.
Dom Alberto Taveira Corrêa - Arcebispo de Belém do Pará- Assessor Eclesiástico da RCCBRASIL
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