"Feliz quem
teme o Senhor e segue seus caminhos. Viverás do trabalho de tuas mãos, viverás
feliz e satisfeito" (Sl 127, 1). Deus nos criou como participantes e
responsáveis pela vida, a natureza e o mundo. Olhar em torno de nós é
encontrar-nos em casa e nos dispormos a edificar com serenidade o lar comum,
com as peças da fraternidade e da solidariedade.
Segundo o plano do
Senhor, temos as condições para realizar tal tarefa, ainda que, com inquietante
frequência, nossas ações pareçam justamente destruir a obra de Deus e de tantas
gerações. É que convivemos com o doloroso mistério do pecado, cuja presença já
as primeiras páginas da Bíblia constataram. Desde o princípio, parece que apraz
à humanidade fazer o jogo da violência, como crianças e adolescentes em brincadeiras
eletrônicas, tantas delas montadas em plataformas de destruição recíproca.
Incrível é ver quantos marmanjos de idade ou estatura avançada se dediquem a
tais "retratos da vida"!
Ao formar seus
discípulos, Jesus lhes propõe um jogo diferente (Cf. Mt 16, 21-27), cujas peças
têm nomes que se tornam caminhos de realização e de salvação (Cf. Mt 16,
24-25). Primeira delas é "Se alguém quer", para dar o segundo passo
que é "seguir". A terceira é "renuncie a si mesmo" e quarta
é "tome a sua cruz". Regra do jogo é "quem perder a sua vida por
causa de mim vai encontrá-la".
Deus nos ofereceu o
precioso dom da liberdade, dando-nos a possibilidade de nos comprometer com o
seu plano. Os objetivos escolhidos na vida estabelecem os rumos a serem
percorridos. Quem começa mal, escolhendo metas limitadas, já compromete a
corrida da existência. Não fomos feitos apenas para ter casa própria, bom
emprego, carro novo, muito dinheiro no banco. Deixemos que o Senhor nos
pergunte sobre o que queremos efetivamente! Ideal digno dos homens e mulheres
que Deus criou e que somos nós, é justamente aquele que foi descrito nas
primeiras páginas da Sagrada Escritura (Cf. Gn 1-2): Deus reconhecido como
Criador e Pai de todos, homens e mulheres feitos à sua imagem, com inteligência
e liberdade, a fraternidade e o senhorio em relação à criação. Poucas palavras
que refletem o plano de Deus. Para entrar no jogo da vida, saber decidir!
Renunciar a si
mesmo! Trata-se de mudar o eixo da existência, quando os impulsos da natureza
pedem acúmulo de bens e afetos. A maturidade humana efetiva só pode acontecer
quando um homem ou uma mulher alcançam esta altitude. Muitas pessoas só
conseguirão dar este passo nos instantes derradeiros da existência nesta terra,
quando tiverem que se desapegar de tudo, pois deverão apresentar-se diante do
Criador. É melhor antecipá-lo! É mais saudável viver não para si, mas para Deus
e o próximo, e não são poucos os exemplos de gente que soube fazer esta
mudança.
A decisão do
cristão comporta o seguimento. A palavra "discípulo" indica a escolha
feita, quando se escolhe ir atrás de alguém, com coração e ouvido aberto,
pronto a pisar no mesmo rastro daquele que foi reconhecido como mestre. E como
não faltam mestres entre as muitas companhias que nos são oferecidas pelo caminho,
a proposta é escolher Jesus: "Deu-me o Senhor Deus uma língua habilidosa
para que aos desanimados eu saiba ajudar com uma palavra. Toda manhã ele
desperta meus ouvidos para que, como bom discípulo, eu preste atenção. O Senhor
Deus abriu-me os ouvidos, e eu não fiquei revoltado, para trás não andei"
(Is 50, 4-5).
Os discípulos
chamados pelo Senhor Jesus tiveram surpresas. Uma delas, que assustou de forma
especial aquele que tinha sido declarado "Pedra" (Cf. Mt 16, 21-23),
foi a Cruz. Carregá-la com disposição é regra de jogo na vida cristã. Não se
engane quem quer empreender esta estrada, mas decida-se a abraçá-la. Tomar a
cruz não significa cultivar um gosto doentio pelo sofrimento ou os muitos
incômodos da vida, pois a dor sozinha não gera frutos. Cruz significa
transformar, como escolha livre, todos os atos da existência em amor a Deus e
ao próximo, saindo de si mesmo para fazer o bem. Quer dizer encontrar o caminho
diário da salvação, olhando para o alto, no amor a Deus, e abrir os braços no
amor ao próximo. Na confluência dos dois amores se eleva a cruz e esta vem a
ser abraçada e não arrastada.
A regra de vida a
ser acolhida pelo cristão e proposta a todas as pessoas que desejam a
felicidade autêntica é assim descrita por Jesus, num encontro que desencadeou
nova etapa na vida de seus discípulos. É que a novidade era tão grande que o
Senhor precisou acompanhá-los bem de perto, aproveitando as lições do caminho a
ser percorrido, para aprenderem o jeito novo de viver (Cf. Mc 8, 1 - 10, 52).
"Tu me seduziste,
Senhor, e eu me deixei seduzir! Foste mais forte do que eu e me subjugaste!
Tornei-me a zombaria de todo dia, todos se riem de mim. Sempre que abro a boca
é para protestar! Vivo reclamando da violência e da opressão! A palavra de Deus
tornou-se para mim vergonha e gozação todo dia. Pensei: ‘Nunca mais hei de
lembrá-lo, não falo mais em seu nome!’ Mas parecia haver um fogo a queimar-me
por dentro, fechado nos meus ossos. Tentei aguentar, não fui capaz" (Jr
20, 7-9). Quando tantos podem pensar que as regras propostas por Deus não
atraiam, eis que muita gente se dispõe a seguir o Senhor, aceitando passos do
jogo da vida que parecem absurdas. No entanto, são elas o caminho da felicidade
verdadeira! O contato com Deus, visto inclusive pelos profetas como verdadeira
sedução atrai as pessoas. Que mais pessoas aceitem este jogo, no qual a vitória
é certa, pois as partes envolvidas são o Céu e a Terra. Deus ama a humanidade e
a faz parceira na construção de um mundo diferente! "Quem quiser salvar
sua vida a perderá; e quem perder sua vida por causa de mim a encontrará. De
fato, que adianta a alguém ganhar o mundo inteiro, se perde a própria
vida?" (Mt 16, 25-26).
Dom Alberto Taveira Corrêa- Arcebispo de Belém do Pará / assessor eclesiástico da RCC Brasil
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