sexta-feira, 7 de abril de 2017

As Ironias de Voltaire


Confesso que, graças ao bom Deus, conheço pouco da obra deste inimigo da espiritualidade e mofador dos mais elevados valores cristãos.
De seus livros, vieram-me às mãos, quando era ainda jovem, os romances “Cândido” e “Os ouvidos do Conde de Chesterfield”, traduzidos por Galeão Coutinho em uma só edição da Livraria Martins, de São Paulo.
Não consegui descobrir, por detrás de suas ironias, a “finesse” exigível dos grandes pensadores. E o vejo tão-somente como exímio divulgador de ideias alheias.
Suas setas envenenadas vêm, obviamente, embutidas na fala de seus personagens:
a) ora contra os judeus, cuja nação ele considera “naçãozinha imitadora dos seus vizinhos”;
b) ora contra os jesuítas, cujas estórias edificantes são “fábulas de missionários”.
Quanto à alma, pergunta um dos seus personagens ao outro, cuja profissão era a de médico-cirurgião:
“Tem dissecado cérebros, tem visto embriões e fetos; viu alguma vez algum sinal da alma?”
Ao que responde o médico: “Nunca, o mínimo sinal.”
Esta estultice, que obviamente não constitui uma ideia original do romancista, tem sido repetida por incrédulos mestres de Anatomia, em nossas Escolas de Medicina, como se fosse possível fisgar, com a ponta do bisturi, atributos espirituais do ser humano.
Sobre o “motivo” das ações humanas, ensaia Voltaire uma discussão teatral. Entre os contendores figura um cômico pastor que “não cessava de lamentar a perda de sua paróquia e de sua bem amada”.
Este cômico ministro religioso, o primeiro a falar, diz que o princípio de tudo é “a ambição e o amor”.
O segundo, que teria viajado por todos os continentes, acusa o dinheiro como o móvel das ações humanas.
 O terceiro, o médico, aponta a “latrina” como sendo o fator mais importante:
“Sempre notei que todos os negócios deste mundo dependem da opinião e da vontade de um personagem importante qualquer, seja o rei, seja o primeiro ministro, seja o empregado mais graduado.”
“Ora, essa opinião e essa vontade são o efeito imediato da maneira como os espíritos animais se filtram no cérebro e daí passam para a medula.”
“Esses espíritos dependem da circulação do sangue, e o sangue depende da formação do quilo. O quilo se elabora na rede mesentérica.”
“O mesentério está ligado aos intestinos por filamentos muito delgados; os intestinos, queiram desculpar-me, estão cheios de bosta.”
“Ora, apesar das três fortes túnicas de que está revestido cada intestino, existem inúmeros pequenos orifícios, porque na natureza todos os corpos são porosos; não há grão de areia, por menor que seja, que não tenha quatrocentos ou quinhentos poros.”
“Que acontece, pois, com o homem que sofre de prisão de ventre?”
A título de conclusão, assegura o médico: “A latrina tem tanta importância, que uma diarreia torna pusilânime um homem, a disenteria tira a coragem”.
Assevera VOLTAIRE que, se Deus é “escravo de sua vontade, de sua sabedoria, das próprias leis que criou e da necessidade de sua natureza”; e, portanto, “não pode modificar coisa alguma nos acontecimentos do mundo”, para que cantar louvores e dirigir-lhe preces?
Mas o escritor vai mais longe.
Ao abordar o tema das doenças venéreas, acrescenta que, se o homem foi feito à imagem de Deus, “é nos vasos espermáticos dessa imagem que se alojam a dor, a infecção e a morte”.

Retirado do livro: “Raízes Históricas e Filosóficas do Ateísmo Contemporâneo”. Lúcio Flávio de Vasconcellos Naves. Ed.Cléofas.


Nenhum comentário:

Postar um comentário