É fácil dizer se
tal ou qual ação é pecaminosa. Não o é tanto dizer se tal ou qual pessoa pecou.
Se alguém se esquece, por exemplo, de que hoje é festa de preceito e não vai à
missa, o seu pecado é apenas externo. Interiormente, não teve intenção de
comportar-se mal. Neste caso, dizemos que cometeu um pecado material, mas não
um pecado formal. Existe aí uma obra má, mas não má intenção. Seria supérfluo e
inútil mencioná-lo na confissão.
Mas também é
verdade o contrário. Uma pessoa pode cometer interiormente um pecado sem
realizar um ato pecaminoso. Usando o mesmo exemplo, se alguém pensa que hoje é
dia de preceito e voluntariamente decide não ir à missa sem razão suficiente, é
culpado do pecado da omissão dessa missa, mesmo que esteja enganado e não seja
dia de preceito. Ou, para dar outro exemplo, se um homem rouba uma grande
quantia de dinheiro e depois percebe que roubou o seu próprio dinheiro,
interiormente cometeu um pecado de roubo, ainda que realmente não tenha
roubado. Em ambos os casos dizemos que não houve pecado material, mas formal.
E, naturalmente, esses dois pecados têm que ser confessados.
Vemos, pois, que é
a intenção na mente e na vontade de uma pessoa o que determina em última
análise a malícia de um pecado. Há pecado quando a intenção quer alguma coisa
contra o que Deus quer.
Com efeito, é a
intenção o que determina a malícia; mas o novo Catecismo precisa: “É errado
[...] julgar a moralidade dos atos humanos considerando apenas a intenção que
os inspira [...]. Existem atos que, por si mesmo e em si mesmos,
independentemente das circunstâncias e intenções, são sempre gravemente
ilícitos em virtude do seu objetivo: por exemplo, a blasfêmia e o perjúrio, o
homicídio e o adultério. Não é permitido praticar um mal para que dele resulte
um bem” (n. 1756).
Por esta razão, sou
culpado de pecado no momento em que decido cometê-lo, mesmo que não tenha
oportunidade de praticá-lo ou mesmo que depois mude de opinião. Se decido
mentir sobre um assunto quando me perguntarem, e a ninguém ocorre fazer a
pergunta, continuo a ser culpado de uma mentira por causa da minha má intenção.
Se decido roubar umas ferramentas da oficina em que trabalho, mas me despedem
antes de poder fazê-lo, interiormente já cometi o roubo, ainda que não tenha
tido ocasião de praticá-lo, e sou culpado disso. Estes pecados seriam reais, e,
se a matéria fosse grave, teria que confessá-los.
Mesmo uma mudança
de decisão não pode apagar o pecado. Se um homem decide hoje que amanhã irá
fornicar e amanhã muda de ideia, continuará a ter sobre a sua consciência o
pecado de ontem, a boa decisão de hoje não pode apagar o mau propósito de
ontem.
É evidente que aqui
falamos de uma pessoa cuja vontade tenha tomado essa decisão. Não nos referimos
à pessoa em grave tentação, que luta consigo mesma, talvez durante horas ou até
dias. Se essa pessoa alcança, por fim, a vitória sobre si mesma e diz um “não”
decidido à tentação, não cometeu pecado. Antes pelo contrário, mostrou grande
virtude e adquiriu grande mérito diante de Deus. Não há motiva para sentir-se
culpada, ainda que a tentação tenha sido violenta ou persistente. Não. A pessoa
de quem falávamos antes é a que resolve cometer um pecado, mas é impedida de
fazê-lo por falta de ocasião ou por ter mudado de ideia.
Isto não quer dizer
que o ato exterior não tenha importância. Seria um grande erro inferir que, já
que alguém tomou a decisão de cometer um pecado, tanto faz leva-la à prática ou
não. Muito pelo contrário, realizar a má intenção e praticar o ato aumenta a gravidade
desse pecado, intensifica a sua malícia. E isto é especialmente assim quando
esse pecado externo prejudica um terceiro, como no roubo; ou causa o pecado de
outrem, como nas relações sexuais ilícitas.
E já que estamos
falando de “intenção”, vale a pena mencionar que não podemos tornar boa ou
indiferente uma ação má com uma boa intenção. Se roubo de um rico para dar a um
pobre, isso continua a ser um roubo e é pecado. Se digo uma mentira para tirar
um amigo de apuros, isso continua a ser uma mentira, e eu peco. Se uns ais usam
anticoncepcionais para que os filhos que já têm disponham de mais meios, esse
ato continua a ser pecaminoso. Em resumo, um fim bom nunca justifica meios
maus. Não podemos forçar e retorcer a vontade de Deus para fazê-la coincidir
com a nossa.
“Uma intenção boa
(por exemplo, ajudar o próximo) não torna bom em justo um comportamento
desordenado em si mesmo (como a mentira e a maledicência). O fim não justifica
os meios. Assim, não se pode justificar a condenação de um inocente como meio
legítimo de salvar o povo. Por sua vez, acrescentada uma intenção má (Como, por
exemplo, a vanglória), o ato em si bom (como a esmola) pode tornar-se mau” (n.
1753).
Da mesma maneira
que o pecado consiste em opormos a nossa vontade à de Deus, a virtude não é
senão o esforço sincero por identificarmos a nossa vontade com a de Deus. Não é
difícil consegui-lo a não ser que confiemos somente nas nossas próprias forças,
em vez de confiarmos na graça de Deus. Assim o diz um velho axioma teológico:
“Deus não nega a sua graça a quem faz o que pode”.
Se fazermos “o que
podemos” – rezamos cada dia regularmente; confessando-nos e comungando com
frequência; considerando uma e outra vez que o próprio Deus habita na nossa
alma em graça (que alegria saber que, seja qual for o momento em que Ele nos
chame, estaremos preparados para contemplá-lo por toda a eternidade!, mesmo que
tenhamos de passar previamente pelo purgatório); ocupando-nos num trabalho útil
e em diversões sadias, evitando as pessoas e lugares que possam pôr à prova a
nossa humana debilidade -, então não há dúvida da nossa vitória.
É também muito útil
conhecermos as nossas fraquezas. Você se conhece bem? Ou, para dizê-lo uma
forma negativa, sabe qual é o seu principal defeito?
Pode ser que você
tenha muitos defeitos; a maioria de nós os tem. Mas fique certo de que há um
que se destaca mais que os outros e que é o seu maior obstáculo para o
crescimento espiritual. Os autores espirituais descrevem esse defeito como
defeito dominante.
Antes de mais nada,
convém esclarecer a diferença entre um defeito e um pecado. Um defeito é o que
poderíamos chamar “o ponto fraco” que nos faz facilmente cometer certos pecados
e tornar mias difícil praticar certas virtudes. Um defeito é (até que o
eliminemos) uma fraqueza do nosso caráter, mais ou menos permanente, ao passo
que o pecado é algo eventual, um fato isolado que deriva do nosso defeito. Se
comprarmos o pecado a uma planta nociva, o defeito será a raiz que o sustenta.
Todos sabemos que,
quando se cultiva um jardim, dá pouco resultado aparar as plantas daninhas
rente ao chão. Se não se arrancam as raízes, crescerão outra vez. O mesmo
ocorre na nossa vida com certos pecados: continuarão a aparecer continuamente
se não arrancarmos as suas raízes, esse defeito do qual nascem.
Os teólogos
estabelecem uma lista de sete defeitos ou fraquezas principais, que estão na
base de quase todos os pecados atuais. Chamam-se ordinariamente, os sete vícios
ou pecados capitais. A palavra “capital” neste contexto significa que esses
defeitos são os mais relevantes ou os mais frequentes, não necessariamente os
maiores ou os piores.
“Os vícios podem
ser classificados segundo as virtudes a que se opõem, ou ainda ligados aos
pecados capitais que a experiência cristã distinguiu seguindo S. João Cassiano
e S. Gregório Magno. São chamados <> porque geram outros
pecados, outros vícios” (n. 1866).
Bem, e quais são
esses sete vícios dominantes da natureza humana? O primeiro é a soberba, que
poderíamos definir como a procura desordenada da nossa própria honra e
excelência, ou como um amor-próprio desordenado que leva a preferir-nos sempre
a Deus e aos outros, ou ainda, a largos traços, como aquilo a que hoje chamamos
egoísmo. Seria muito longa a lista de todos os pecados que nascem da soberba: a
ambição excessiva, a jactância em relação às nossas forças espirituais, a
vaidade, o orgulho, eis aí uns poucos. Ou, para usar expressões contemporâneas,
a soberba é a causa dessa atitude cheia de amor-próprio que nos leva a “manter
o status, para que os vizinhos não falem mal de nós”, à ostentação, à ambição
de escalar postos e brilhar socialmente, de estar na “crista da onda”, e outras
coisas do mesmo jaez.
O segundo pecado
capital é a avareza ou o desejo imoderado de bens temporais. Daqui nascem não só
os pecados de roubo e fraude, como também os menos reconhecidos de injustiça
entre patrões e empregados, práticas abusivas nos negócios, mesquinhez e
indiferença ante as necessidades dos pobres, e isso para mencionar só uns
poucos exemplos.
O seguinte na lista
é a luxúria ou impureza. É fácil perceber que os pecados evidentes contra a
castidade têm a sua origem na luxúria; mas esta também produz outros: há muitos
atos desonestos, falsidade e injustiças que se podem atribuir à luxúria; a
perda da fé e o desespero da misericórdia divina são frutos frequentes da
luxúria.
Depois vem a ira,
que é um estado emocional desordenado que nos incita a desforrar-nos dos
outros, a opor-nos insensatamente a pessoas ou coisas. Os homicídios, as
desavenças e as injúrias são consequências evidentes da ira, como também o
ódio, a murmuração e o dano à propriedade alheia.
A gula é outro
pecado capital. É a atração desordenada pela comida ou bebida. Parece o mais
ignóbil dos vícios; no glutão, há algo de animal. Prejudica a saúde, produz o
linguajar soez e blasfemo, injustiças contra a própria família e outras
pessoas, e uma legião de males demasiados evidente para necessitarem de
enumerações.
A inveja é também
um vício dominante. É necessário sermos muito humildes e sinceros conosco
próprios para admitir que a temos. A inveja consiste em desejar o nível de vida
dos outros: esse é um sentimento perfeitamente natural, a não ser que nos leve
a extremos de cobiça. Não, a inveja é antes a tristeza causada pelo fato de
haver quem esteja numa situação melhor que a nossa, é o sofrimento pela melhor
sorte dos outros. Desejamos ter aquilo que um outro tem, e desejamos que ele
não o tenha; pelo menos, desejaríamos que não o tivesse, se nós não podemos
tê-lo também. A inveja leva-nos ao estado mental do clássico “cachorro do
hortelão”, que nem aproveita o que tem nem deixa que os outros o aproveitem, e
produz o ódio, a calúnia, a difamação, o ressentimento e outros males
semelhantes.
Finalmente, temos a
preguiça ou acedia, que não é o simples desagrado perante o trabalho; á muita
gente que não acha agradável o seu trabalho. A preguiça consiste, antes de
tudo, em fugir do trabalho pelo esforço que implica. É o desgosto – e a recusa
– causado pela necessidade de cumprirmos os nossos deveres, especialmente se
nos conformamos com a mediocridade espiritual, é quase certo que a sua causa é
a preguiça. Omitir a assistência à missa aos domingos e dias de preceito,
desleixar-se na oração, fugir das obrigações familiares e profissionais, tudo
isso são consequências da preguiça.
Estes são, pois, os
sete pecados capitais: soberba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja e preguiça.
Nos, que temos sem dúvida o louvável costume de examinar a nossa consciência
antes de nos deitarmos e – evidentemente – antes de nos confessarmos,
lucraríamos muito se de hoje em diante nos perguntássemos não só “que pecados
cometi e quantas vezes”, mas também “por quê”, isto é, qual foi a raiz – o
pecado capital – que esteve na origem de cada uma dessas nossas faltas. Trecho
retirado do livro: A Fé Explicada, Leo J. Trese
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