Carta Pastoral Sobre o Comunismo: os seus erros, a sua ação revolucionária e o dever dos católicos
Por Dom Geraldo de Proença
Sigaud
1. Socialismo e
comunismo
O socialismo é condenado pelo direito natural, e não pode haver socialismo
cristão
O socialismo ensina a mesma doutrina marxista que o comunismo. Tem o mesmo
objectivo, a Revolução, e quer a mesma organização econômica da sociedade. É
materialista, rejeita a Religião, a moral, o direito, Deus, a Igreja, os
direitos da família, do indivíduo. Quer que todos os meios de produção estejam
nas mãos do Estado, e igualmente toda a educação, todos os transportes, as
finanças, e que o Estado seja o soberano senhor de todas as forças da nação.
Deseja a supressão da diferença entre as classes sociais. Também para o
socialismo, a pessoa existe para o Estado, não o Estado para a pessoa (cf. Leão
XIII, Encíclica Rerum Novarum).
A diferença que há entre os socialistas e os comunistas é uma diferença de
método.
Os comunistas desejam a implantação imediata da ditadura do proletariado para
realizar a Revolução. Os socialistas recorrem a meios "legais" para
obter o mesmo objectivo. Recorrem às eleições, às greves legais, às agitações
sem derramamento de sangue, para conseguir leis de nacionalização, de ensino
laico. Vão fazendo a nação deslizar para o comunismo em geral sem convulsões
violentas. O socialismo é uma rampa pela qual as nações vão resvalando para o
comunismo quase sem perceberem.
2. Socialismo e seus matizes
A vantagem táctica do socialismo, para os que dirigem a seita comunista, é que
o socialismo pode tomar cores mais suaves. O comunismo é vermelho-sangue. O
socialismo pode ir do rubro ao cor de rosa. O comunismo tem dificuldade de se
fazer passar por cristão. O socialismo arranja modos de se dizer cristão, e
assim realizar a Revolução paulatinamente e por etapas.
3. Socialismo cristão
Os autores da Revolução realizaram esta proeza de enfeitarem o socialismo com o
rótulo de cristão. Com um semblante comovido, tais socialistas cristãos
condenam o capitalismo como intrinsecamente mau, pior do que o comunismo. E com
comoção dizem que no comunismo há muita coisa boa. O seu ódio à América do
Norte é violento.
As suas simpatias pela Rússia são difíceis de esconder. Consideram o capital
uma abominação quando nas mãos daquele que o amealhou com o seu suor, mas o
acham admirável quando nas mãos do Estado. Têm uma confiança cega no Estado, e
uma desconfiança irremediável da iniciativa particular. Mas confessam se e
comungam; dizem-se católicos progressistas.
É possível um socialismo cristão? Sua Santidade o Papa Pio XI já respondeu a
esta questão na Encíclica Quadragesimo Anno: "Se este erro, como todos os
mais, encerra algo de verdade, o que os Sumos Pontífices nunca negaram, funda
se contudo numa concepção da sociedade humana diametralmente oposta à
verdadeira doutrina católica.
Socialismo religioso, socialismo católico são termos contraditórios: ninguém
pode ser ao mesmo tempo bom católico e verdadeiro socialista".
E se o socialismo for muito moderado? Mesmo neste caso continua incompatível
com o Catolicismo. Pio XI é explícito também neste ponto. Ouçamo-lo: "E se
o socialismo estiver tão moderado no tocante à luta de classes e à propriedade
privada, que não mereça nisto a mínima censura? Terá por isto renunciado à sua
natureza essencialmente anticristã? Eis uma dúvida que a muitos traz suspensos.
Muitíssimos católicos, convencidos de que os princípios cristãos não podem
abandonar-se nem jamais obliterar-se, volvem os olhos para esta Santa Sé e
suplicam incessantemente que definamos se este socialismo repudiou de tal
maneira as suas falsas doutrinas, que já se possa abraçar e quase baptizar, sem
prejuízo de nenhum princípio cristão.
Para lhes respondermos, como pede a Nossa paterna solicitude, declaramos: o
socialismo, quer se considere como doutrina, quer como facto histórico, ou como
"ação", se é verdadeiro socialismo, mesmo depois de se aproximar da
verdade e da justiça nos pontos sobreditos, não pode conciliar-se com a
doutrina católica, pois concebe a sociedade de um modo completamente avesso à
verdade cristã" (Encíclica Quadragesimo Anno).
Realmente, Deus estabeleceu uma ordem natural, que não é lícito ao homem violar,
e a esta ordem pertencem dois pontos que todo o socialismo viola. São os
seguintes:
a) O papel subsidiário do Estado. O Estado não existe para absorver ou
substituir os indivíduos, as famílias e as associações, mas para realizar as
tarefas que estes elementos não podem realizar por si mesmos. Assim João XXIII,
na Encíclica Mater et Magistra: "Essa acção do Estado, que protege,
estimula, coordena, supre e complementa, apoia-se no "princípio de
subsidiariedade" (A. A. S., XXIII, 1931, p. 203), assim formulado por Pio
XI na Encíclica Quadragesimo Anno: "Permanece, contudo, firme e constante
na filosofia social aquele importantíssimo princípio que é inamovível e
imutável: assim como não é lícito subtrair aos indivíduos o que eles podem
realizar com as próprias forças e indústria para confiá-lo à colectividade, do
mesmo modo passar para uma sociedade maior e mais elevada o que sociedades
menores e inferiores poderiam conseguir, é uma injustiça ao mesmo tempo que um
grave dano e perturbação da boa ordem. O fim natural da sociedade e da sua
ação é coadjuvar os seus membros e não destruí-los nem absorvê-los"
(ibid., p. 203) (apud "Catolicismo", n.° 129, de Setembro de 1961).
b) O indivíduo, as famílias, as associações têm direito de possuir bens de
raiz, bens móveis e bens produtivos. O Estado não pode açambarcar estes bens
para si. Os homens têm o direito e o dever de proverem às suas necessidades, e
o Estado não pode arvorar-se em Providência e suprimir este direito ou
substituir se a este dever.
Por isto tudo, o socialismo é condenado pelo direito natural, e não pode haver
socialismo cristão.
4. A Igreja primitiva foi comunista? As ordens religiosas são comunistas?
Amados Filhos, provavelmente já tereis ouvido ou lido afirmarem que a Igreja
primitiva foi comunista e que as atuais Ordens Religiosas o são.
Depois do que dissemos a respeito do marxismo, compreendereis que somente um
ignorante ou uma pessoa de má fé pode afirmar uma monstruosidade tal.
Mas, mesmo se nos abstrairmos do marxismo, nem a Igreja primitiva praticou, nem
as Ordens Religiosas praticam o comunismo. Vede bem que o essencial do
comunismo é a negação do direito de propriedade.
Ora, examinemos sob este aspecto a Igreja primitiva. Levadas da vontade de
seguir de perto o exemplo do Divino Mestre e realizar os conselhos evangélicos,
várias famílias cristãs de Jerusalém resolveram viver no voto de pobreza. Para
isto venderam tudo o que tinham e entregaram o dinheiro aos Apóstolos para que
com ele fosse mantida a comunidade. Notai bem: os indivíduos desta comunidade
renunciavam aos seus bens porque queriam. Quem não quisesse viver na pobreza,
não precisava.
Assim disse São Pedro a Ananias: "Conservando o campo, ele não permanecia
teu? E vendendo-o, não dependeria de ti o que farias com o dinheiro?" (At.
5, 4).
A Igreja permitia que os que quisessem viver sem possuir nada pessoalmente, o
fizessem. Mas, de um lado, isto era livre; de outro, o imóvel ou o dinheiro
apurado passava a ser propriedade da comunidade. Ficava pois de pé o direito de
propriedade da comunidade; não era negado nem transferido ao Estado.
Para desiludir os comunistas utópicos, devemos dizer que a primeira tentativa
de realizar o ideal da pobreza não foi bem sucedida. Consumidos os capitais
apurados na venda dos imóveis, criou-se em Jerusalém uma situação difícil, e
foi preciso as outras comunidades cristãs enviarem periodicamente esmolas para
Jerusalém a fim de sustentarem os irmãos que tinham renunciado aos seus bens.
Verificou-se que o voto de pobreza só é possível juntamente com o voto de
castidade, e que o estado de pobreza evangélica não é possível quando há
família: marido, mulher e filhos. Para pessoas casadas o caminho da santidade
está no trabalho e na recta administração das riquezas temporais.
Mais tarde, a Igreja retomou a experiência: primeiro com indivíduos isolados,
os anacoretas; depois com pequenas comunidades de eremitas, os cenobitas. Só
quando raiou a liberdade para o Cristianismo é que dois grandes Santos
organizaram a vida de pobreza evangélica aliada à obediência e à castidade: no
Oriente, São Basílio; no Ocidente, São Bento. Mas, se o monge renuncia a toda a
propriedade pessoal, o mosteiro passa a ser o proprietário. Verifica-se o que
se dá muitas vezes na família: se os indivíduos não são donos, a família é a
proprietária.
Vejamos agora o valor que tem a afirmação de que as Ordens Religiosas são
comunistas ou socialistas.
Ninguém afirmará que as doutrinas filosóficas, sociológicas, teológicas do
comunismo se encontram realizadas nas Ordens Religiosas. Tal afirmação é tão
absurda, que ninguém a tomaria a sério. Restaria então o tipo de vida econômica
das Ordens Religiosas. Perguntamos: o tipo de vida económica que o comunismo
pretende implantar é aquele que as Ordens Religiosas realizam há tantos séculos?
Para respondermos com clareza a este absurdo, que no entanto se repete com
enfadonha monotonia, vamos analisar um pouco mais de perto o tipo de vida
econômica das Ordens Mendicantes. É sabido que são elas que realizam o ideal de
pobreza evangélica mais absoluto entre as comunidades religiosas. Verificado
que nelas não há sombra do tipo econômico comunista, fica provado que as outras
Ordens e Congregações, em que o tipo de pobreza é mais suave, a fortiori não
podem ser tachadas de comunistas.
Nas Ordens Mendicantes mais rigorosas, não só os Religiosos individualmente
nada possuem de próprio, mas nem mesmo a Ordem, as Províncias ou conventos são
os titulares das propriedades. Em vez deles, a Santa Sé ou a Diocese são os
proprietários formais. A administração dos bens destinados à Ordem, à Província
ou ao convento é realizada por pessoas nomeadas pela Santa Sé ou pela Diocese.
Mas, se a propriedade não é nominalmente da Ordem, etc., os frutos do
patrimônio que existir, ou as esmolas dadas pelos fiéis, aplicam-se formalmente
à manutenção daquele convento e daquela comunidade para que são destinados.
Assim, os Religiosos não têm os ônus da propriedade e da sua administração,
caridosamente suportados pela Autoridade Eclesiástica, mas têm as rendas
necessárias para se manterem. É a realização da pobreza de Cristo e da fé na
Providência. É o "nihil habentes, et omnia possidentes" de São Paulo
(2 Cor. 6, 10 ) . Assim, as Ordens Mendicantes são a mais formal refutação do
comunismo. Porque:
a) A renúncia às propriedades é uma afirmação clara da existência do direito de
propriedade, pois ninguém renuncia seriamente ao que não existe.
b) Cada comunidade e cada Religioso tem o direito de viver dos frutos do
patrimônio e das esmolas que tocam ao convento, e que são administradas pela
Autoridade Eclesiástica em favor da comunidade, e não arbitrariamente.
c) O Religioso renuncia ao direito de propriedade voluntariamente. O comunismo
nega este direito e confisca as propriedades violentamente.
d) O Religioso abraça a pobreza voluntária para melhor seguir Nosso Senhor
Jesus Cristo e santificar melhor a sua alma na esperança da vida eterna. O
comunismo diz que destrói a propriedade particular para proporcionar a todos os
homens a maior soma de prazeres nesta terra, uma vez que não existe a vida
eterna.
e) Na realidade, a pobreza voluntária dos Religiosos os leva à maior liberdade
no serviço de Deus. O comunismo, prometendo a maior soma de prazeres, realmente
tem por fim escravizar os homens, e depois, por meio da fome, obrigá-los à
total apostasia de Deus.
f) A pobreza voluntária das Ordens Religiosas serve a Deus. O comunismo serve a
Satanás.
Concluindo, devemos pois dizer que a afirmação de que as Ordens Religiosas
realizam o tipo econômico do comunismo é uma verdadeira blasfêmia.
Fonte: www.libertatum.blogspot.com