sábado, 29 de abril de 2017

Como era a Eucaristia no começo da Igreja?


Evidentemente os textos mais importante sobre a presença real do corpo e do sangue do Senhor Jesus no pão e no vinho consagrados, são os textos dos Evangelhos (Mt 26,28; Mt 14, 24; Jo 6, 22-71; Mc 14, 22-24; Lc 22,19s; 1 Cor 11,23-26). No ano 56 São Paulo deixava claro aos coríntios que quem participasse indignadamente da Eucaristia, se tornaria réu do corpo e do sangue do Senhor. (1 Cor 11, 23-26) E as graves consequências desse pecado, indicadas pelo Apóstolo, mostram que a Eucaristia não é mero símbolo, mas presença real de Jesus na hóstia consagrada. Porventura o cálice de bênção que abençoamos, não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos, não é porventura a comunhão com o corpo e Cristo? (1Cor 10,16-21)
A Tradição da Igreja confirma esta verdade abundantemente. Da Didaquè (ou Doutrina dos Doze Apóstolos) A Didaquè é como um antigo catecismo, redigido entre os anos 90 e 100, na Síria, na Palestina ou em Antioquia. Traz no título o nome dos doze Apóstolos. Os Padres da Igreja mencionaram-na muitas vezes. Em 1883 foi encontrado um seu manuscrito grego. “Reunidos no dia do Senhor (dominus), parti o pão e daí graças, depois de confessardes vossos pecados, a fim de que vosso sacrifício seja puro. Quem tiver divergência com seu companheiro não deve juntar-se a nós antes de se reconciliar, para que não seja profanado vosso sacrifício, conforme disse o Senhor: “Que em todo lugar e tempo me seja oferecido um sacrifício puro, pois sou um rei poderoso, diz o Senhor, e meu nome é admirável entre as nações.” (Ml 1, 11) (n. XIV)

Primeiro, sobre o cálice: Damos-te graças, Pai nosso, pela santa videira de Davi, teu servo, que nos deste a conhecer por Jesus, teu Servo. Glória a ti nos séculos! Depois sobre o pão partido: Damos-te graças, Pai nosso, pela vida e pela sabedoria que nos deste a conhecer por Jesus, teu Servo. Glória a ti nos séculos! Assim como esse pão, outrora disseminado sobre as montanhas, uma vez ajuntado, se tornou uma só massa, seja também reunida tua Igreja, desde as extremidades da terra, em teu reino, pois a ti pertence a glória e o poder, por Jesus Cristo, para sempre. Que ninguém coma ou beba da vossa eucaristia se não for batizado em nome do Senhor, pois a este respeito disse ele: “Não deis aos cães o que é santo” (Mt 7,6).
Depois de vos terdes saciado, daí graças assim: Nós e damos graças, Pai Santo, pelo teu santo nome que puseste em nossos corações, e pelo conhecimento, pela fé e imortalidade que nos deste por meio de Jesus, teu Servo. Glória a ti nos séculos! Tu, Senhor onipotente, tudo criaste para honra e glória do teu nome; e deste alimento e bebida aos homens, para seu desfrute; a nós porém, deste um alimento e uma bebida espirituais e a vida eterna, por meio do teu Servo. Assim, antes de tudo, damos-te graças porque és poderoso. Glória a ti nos séculos! Lembra-te Senhor, de livrar do mal a tua Igreja, e de torná-la perfeita em teu amor. Congrega-a dos quatro ventos, santificada no reino que lhe preparaste, pois a ti pertence o poder e a glória, para sempre! Hosana ao Deus de Davi! Se alguém é santo, aproxime-se; se alguém não é, converta-se! Maranathã. Amém. Quanto aos profetas, deixai-os render graças o quanto quiserem. (n.10)
Santo Inácio de Antioquia (+102), bispo e mártir
“Esforçai-vos, portanto, por vos reunir mais frequentemente, para celebrar a eucaristia de Deus e o seu louvor. Pois quando realizais frequentes reuniões, são aniquiladas as forças de Satanás e se desfaz seu malefício por vossa união na fé. Nada há melhor do que a paz, pela qual cessa a guerra das potências celestes e terrestres.” (Carta aos Efésios)
São Justino (+165), mártir
Nasceu em Naplusa, antiga Siquém, em Israel; achou nos Evangelhos “a única filosofia proveitosa”, filósofo, fundou uma escola em Roma. Dedicou as sua “Apologias” ao Imperador romano Antonino Pio, no ano 150, defendendo os cristãos; foi martirizado em Roma. Terminadas as orações, damos mutuamente o ósculo da paz. Apresenta-se, então, a quem preside aos irmãos, pão e um vaso de água e vinho, e ele tomando-os dá louvores e glória ao Pai do universo pelo nome de seu Filho e pelo Espírito Santo, e pronuncia uma longa ação de graças em razão dos dons que dele nos vêm. Quando o presidente termina as orações e a ação de graças, o povo presente aclama dizendo: Amém… Uma vez dadas as graças e feita a aclamação pelo povo, os que entre nós se chamam diáconos oferecem a cada um dos assistentes parte do pão, do vinho, da água, sobre os quais se disse a ação de graças, e levam-na aos ausentes. Este alimento se chama entre nós Eucaristia, não sendo lícito participar dele senão ao que crê ser verdadeiro o que foi ensinado por nós e já se tiver lavado no banho (batismo) da remissão dos pecados e da regeneração, professando o que Cristo nos ensinou. Porque não tomamos estas coisas como pão e bebida comuns, mas da mesma forma que Jesus Cristo, nosso Senhor, se fez carne e sangue por nossa salvação, assim também se nos ensinou que por virtude da oração do Verbo, o alimento sobre o qual foi dita a ação de graças – alimento de que, por transformação, se nutrem nosso sangue e nossas carnes – é a carne e o sangue daquele mesmo Jesus encarnado. E foi assim que os Apóstolos, nas Memórias por eles escritas, chamadas Evangelhos, nos transmitiram ter-lhe sido ordenado fazer, quando Jesus, tomando o pão e dando graças, disse: “Fazei isto em memória de mim, isto é o meu corpo.”
E igualmente, tomando o cálice e dando graças, disse: “Este é o meu sangue, o qual somente a eles deu a participar… No dia que se chama do Sol (domingo) celebra-se uma reunião dos que moram nas cidades e nos campos e ali se leem, quanto o tempo permite, as Memórias dos Apóstolos ou os escritos dos profetas. Assim que o leitor termina, o presidente faz uma exortação e convite para imitarmos tais belos exemplos. Erguemo-nos, então, e elevamos em conjunto as nossas preces, após as quais se oferecem pão, vinho e água, como já dissemos. O presidente também, na medida de sua capacidade, faz elevar a Deus suas preces e ações de graças, respondendo todo o povo “Amém”. Segue-se a distribuição a cada um , dos alimentos consagrados pela ação de graças, e seu envio aos doentes, por meio dos diáconos. Os que têm, e querem, dão o que lhes parece, conforme sua livre determinação, sendo a coleta entregue ao presidente, que assim auxilia os órfãos e viúvas, os enfermos, os pobres, os encarcerados, os forasteiros, constituindo-se, numa palavra, o provedor de quantos se acham em necessidade.” (Apologias)
Santo Ireneu (140-202)
“Dado que nós seus membros (de Cristo), nos alimentamos de coisas criadas, (as quais, aliás, ele mesmo nos oferece…), também quis fosse seu sangue o cálice de vinho, extraído de Criação, para com ele robustecer nosso sangue; quis fosse seu corpo o pão, também proveniente da Criação, para com ele robustecer nossos corpos. Se, pois, a mistura do cálice e pão recebem a palavra de Deus tornando-se a Eucaristia do sangue e do corpo de Cristo, pelos quais cresce e se fortifica a substância de nossa carne, como se haverá de negar à carne, assim nutrida com o corpo e sangue de Cristo, e feita membro do seu corpo, a aptidão de receber o dom de Deus, a vida eterna? Assim como a muda da videira, depositada na terra, depois frutifica, e o grão de trigo, caído no solo e destruído, resurge multiplicado pela ação do Espírito de Deus que tudo sustém; e em seguida pela arte dos homens se fazem dessas coisas vinho e pão, que pela palavra de Deus se tornam a Eucaristia, corpo e sangue de Cristo; assim também nossos corpos, alimentados com a Eucaristia, ao serem depositados na terra e aí destruídos, vão ressurgir um dia para a glória do Pai, quando a palavra de Deus lhes der a ressurreição. O Pai reveste de imortalidade o que é mortal, dá gratuitamente a incorrupção ao que é corruptível, pois o poder de Deus se manifesta na fragilidade.” (Contra as heresias, lv 5, cap. 2, 18,19,20).
Cleofas.com.br


sexta-feira, 21 de abril de 2017

Deus não age pela ira, mas sim pela misericórdia

Deus derrama Sua misericórdia sobre nossas vidas!
A Palavra meditada está em Miqueias 7,18-19:
Haverá algum Deus igual a ti, Deus que tira o pecado, que passa por cima da culpa do resto de sua herança, não guarda sua ira para sempre e prefere a misericórdia? Ele vai nos perdoar de novo! Vai calcar aos pés as nossas faltas e para o fundo do mar jogará todos os nossos pecados.
Por amor a nós, Deus passa por cima da nossa culpa. Ele não se prende à ira, pois prefere a misericórdia.
O pecado não somos nós, porém, ele [pecado] não nos deixa. Uma vez tendo pecado, o Senhor não cansa de nos perdoar. Mesmo que não vejamos saída, Ele não desiste de nós.

Deus vencerá em nossa vida
Deus se coloca ao nosso alcance e nos perdoa do mau caminho. Que caminhos temos trilhado? O que tem nos tirado do bom caminho? Por que estamos tristes e desgastados? Quem nos ama não quer que vivamos no erro.
Não queremos pecar? Afastemos daquilo que nos tira de Deus. O pecado é fruto do maligno, mas Deus é nossa proteção e refúgio.
Esse mundo é perigoso! Muito mais perigoso é o mundo espiritual sem a presença de Deus.
A confissão é salvação!
Quando discutimos com alguém, corremos o risco de enfrentar certo receio se aquela pessoa irá nos perdoar ou não. Deus não vê a hora de transformar nossa vida numa festa. Ele não só perdoa como esquece todas as nossas faltas. Quando confessamos nossos pecados, eles são aniquilados.
O que um inimigo humano faz contra nós?
Quando enfrentamos um inimigo humano, ele faz de tudo para tentar nos destruir. Da mesma forma, o inimigo de Deus também quer nos destruir e as artimanhas que ele usa são pesadas.
A confissão purifica nossa alma
Quando lavamos nossa alma diante de Deus, não há nada nem ninguém que possa nos acusar. Quando nos confessamos, somos cobertos com o Sangue de Jesus! Hoje, lavar-se com o Sangue d’Ele é tomar posse do perdão que Ele nos dá.
Queremos libertação? Comecemos pela confissão! Jesus não veio para tirar o pecado, mas para nos dar a vida. Às vezes, temos o sentimento de que estamos sem vida, por isso Ele nos quer dar uma vida nova.
O Senhor quer nos capacitar para que não pequemos mais! Ao vencer o pecado na cruz, Ele o venceu por nós, e todo pecado que carregamos perdeu o poder e a influência sobre nossa vida.
Deus está mais perto do que imaginamos. Por nos amar, Ele se colocou ao alcance de nossas possibilidades. Se alguém quer encontrar Deus, Ele mesmo o encontrará.
Hoje, o Senhor veio nos buscar. Uma mãe não pensaria duas vezes para dar a vida por seus filhos, da mesma maneira Deus é a mãe que dá a vida por nós.

Márcio Mendes
Missionário da Comunidade Canção Nova

sábado, 15 de abril de 2017

Quer ser feliz?

Só se desencaminha de tal desígnio divino aquele que procura ser feliz fora de Deus

O ser humano busca constantemente ser feliz. Tudo o que as pessoas empreendem e visam tem como meta encontrar uma realização. Desde os gestos mais simples, como suprir as necessidades básicas, até os mais audaciosos projetos são impulsionados pelo desejo de satisfação interior. Essa procura pelo preenchimento da alma está inscrita no coração do homem. Deus nos fez para sermos felizes.
O Catecismo da Igreja Católica afirma: “Somente em Deus o homem há de encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de procurar” (CIC 27). É no Senhor que descobrimos a feliz vivência e a verdade acerca de todas as coisas, inclusive a nosso próprio respeito.

Em vários trechos da Sua Palavra, o Altíssimo nos dá princípios e ordens que nos orientam como proceder para sermos contagiados pelo bem-estar que vem d’Ele: “A alegria do Senhor será a vossa força” (Ne 8,10); O Sermão da Montanha (Mt 5,1-11); “Honra teu pai e tua mãe para que sejas feliz e tenhas vida longa sobre a terra” (Ef 6,2); e muitos outros.
Só desencaminha-se de tal desígnio divino aquele que procura ser feliz fora de Deus, que busca a sua própria verdade e realização (como se assim pudesse existir), motivado por uma noção inexata de como alcançar a felicidade. Em vez de construir uma alegria incorruptível, procuram gozo imediato sem projetar as consequências posteriores.
É essa a tentação que foi oferecida a Jesus no deserto (cf. Mt 4; Lc 4), e que também hoje o demônio usa para nos seduzir. Ele quer arrancar-nos a identidade através das ilusões do Ser, do Ter e do Poder, assim, cedemos aos impulsos que trarão satisfação apenas momentaneamente, colocamo-nos no lugar de deuses, perdemos a consciência da verdade a nosso respeito e consequentemente idolatramos aquilo que nos dá prazer.
Para ser feliz desde já é preciso renunciar a essas três tentações (ser, ter e poder), trabalhando em nós virtudes que são inversas a elas, as quais nos restabelecem a verdade de sermos criaturas e de que somente em Deus obteremos a alegria.
São práticas contrárias às tentações:
Louvor: palavras de agradecimento, de exaltação ao Senhor, que O colocam em primeiro plano na nossa vida, rendendo adoração Àquele que é e tudo pode em nós, por nós e em meio a nós.
Mesmo em meio à tribulação, louve, pois todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus (Rm 8,28). Só um coração agradecido confia verdadeiramente nisso, pois louva a Deus diante de sua impotência e conta com o Deus Misericórdia, acreditando que mesmo do sofrimento algo de proveito virá.

Amaldiçoar nessa hora é não acreditar que o Senhor manifestará seu socorro.
Outro fator é que aquele que não murmura torna-se mais agradável no convívio com outras pessoas. Causam boa impressão onde passam. A boca fala daquilo de que o coração está cheio (Lc 6,45).
Gratuidade: faça coisas sem esperar retribuição. Muitas das decepções que temos na vida vêm por esperarmos demais dos outros. Gratuidade liberta nosso coração de apegos e méritos, livra-nos da obrigação de recompensas, inclusive de nossas cobranças com nós mesmos. Quem não cobra do irmão, aprende a valorizar a pessoa em primeiro lugar a partir da experiência com si mesmo.
Agir com gratuidade é confiar na Divina Providência, já que proporciona o dom que se obteve de Deus em favor de quem está ao lado: Recebestes de graça, de graça dai! (Mt 10,8) e subtrai do coração a inclinação de ter.
O amor só é pleno quando é com gratuidade: não é interesseiro, desculpa tudo, crê tudo, espera tudo, suporta tudo (I Cor 13,5-6).
Decisão: Aja para que sua felicidade aconteça. Tenha metas a pequeno, médio e longo prazo. Para ser feliz é necessário ter um projeto de vida. Se hoje não deu certo, não desista! Deus está nos seus sonhos, os quais podem ser o indicativo do Pai para a sua vocação.
Decida-se não parar diante das situações frustrantes. Isso comporta uma predisposição do coração em não se prostrar mediante os percalços e imprevistos do dia a dia. É natural ficar pesaroso diante de algo que venha a ferir os sentimentos, mas não se deve arrastar o problema ou supervalorizá-lo. O sofrimento tem que ser fecundo. Aprendemos com a dor, mas tudo nesta vida passa! Nada permanece, a não ser Deus.
Lembre-se de que a pessoa que decide viver bem o seu dia não se abate com alguns minutos que não foram favoráveis.
Decida-se pela felicidade em Deus, invista contra o anseio de poder, busque motivos interiores para ser feliz e não se sujeite a estar bem por conquistar bens ou por ter pessoas subordinadas. É errônea a concepção de que só se é feliz quando se conquista algo.
Por fim, é possível não somente chegar à alegria terrena, na nossa natureza humana, como também ao júbilo espiritual, pois a felicidade é um dom para o ser humano no seu todo.
O Pai quer realizar-nos por completo, dando-nos a identidade de sermos filhos, que junto a Ele têm a posse do Seu Reino e de um dia podermos dividir da Sua glória. Aí está a verdade da felicidade.
Deus o abençoe.

 Sandro Arquejada

sexta-feira, 7 de abril de 2017

As Ironias de Voltaire


Confesso que, graças ao bom Deus, conheço pouco da obra deste inimigo da espiritualidade e mofador dos mais elevados valores cristãos.
De seus livros, vieram-me às mãos, quando era ainda jovem, os romances “Cândido” e “Os ouvidos do Conde de Chesterfield”, traduzidos por Galeão Coutinho em uma só edição da Livraria Martins, de São Paulo.
Não consegui descobrir, por detrás de suas ironias, a “finesse” exigível dos grandes pensadores. E o vejo tão-somente como exímio divulgador de ideias alheias.
Suas setas envenenadas vêm, obviamente, embutidas na fala de seus personagens:
a) ora contra os judeus, cuja nação ele considera “naçãozinha imitadora dos seus vizinhos”;
b) ora contra os jesuítas, cujas estórias edificantes são “fábulas de missionários”.
Quanto à alma, pergunta um dos seus personagens ao outro, cuja profissão era a de médico-cirurgião:
“Tem dissecado cérebros, tem visto embriões e fetos; viu alguma vez algum sinal da alma?”
Ao que responde o médico: “Nunca, o mínimo sinal.”
Esta estultice, que obviamente não constitui uma ideia original do romancista, tem sido repetida por incrédulos mestres de Anatomia, em nossas Escolas de Medicina, como se fosse possível fisgar, com a ponta do bisturi, atributos espirituais do ser humano.
Sobre o “motivo” das ações humanas, ensaia Voltaire uma discussão teatral. Entre os contendores figura um cômico pastor que “não cessava de lamentar a perda de sua paróquia e de sua bem amada”.
Este cômico ministro religioso, o primeiro a falar, diz que o princípio de tudo é “a ambição e o amor”.
O segundo, que teria viajado por todos os continentes, acusa o dinheiro como o móvel das ações humanas.
 O terceiro, o médico, aponta a “latrina” como sendo o fator mais importante:
“Sempre notei que todos os negócios deste mundo dependem da opinião e da vontade de um personagem importante qualquer, seja o rei, seja o primeiro ministro, seja o empregado mais graduado.”
“Ora, essa opinião e essa vontade são o efeito imediato da maneira como os espíritos animais se filtram no cérebro e daí passam para a medula.”
“Esses espíritos dependem da circulação do sangue, e o sangue depende da formação do quilo. O quilo se elabora na rede mesentérica.”
“O mesentério está ligado aos intestinos por filamentos muito delgados; os intestinos, queiram desculpar-me, estão cheios de bosta.”
“Ora, apesar das três fortes túnicas de que está revestido cada intestino, existem inúmeros pequenos orifícios, porque na natureza todos os corpos são porosos; não há grão de areia, por menor que seja, que não tenha quatrocentos ou quinhentos poros.”
“Que acontece, pois, com o homem que sofre de prisão de ventre?”
A título de conclusão, assegura o médico: “A latrina tem tanta importância, que uma diarreia torna pusilânime um homem, a disenteria tira a coragem”.
Assevera VOLTAIRE que, se Deus é “escravo de sua vontade, de sua sabedoria, das próprias leis que criou e da necessidade de sua natureza”; e, portanto, “não pode modificar coisa alguma nos acontecimentos do mundo”, para que cantar louvores e dirigir-lhe preces?
Mas o escritor vai mais longe.
Ao abordar o tema das doenças venéreas, acrescenta que, se o homem foi feito à imagem de Deus, “é nos vasos espermáticos dessa imagem que se alojam a dor, a infecção e a morte”.

Retirado do livro: “Raízes Históricas e Filosóficas do Ateísmo Contemporâneo”. Lúcio Flávio de Vasconcellos Naves. Ed.Cléofas.