"O Senhor Deus deu-me uma língua habilidosa para que
aos desanimados eu saiba ajudar com uma palavra. Toda manhã ele desperta meus
ouvidos para que, como bom discípulo, eu preste atenção. O Senhor Deus abriu-me
os ouvidos, e eu não fiquei revoltado, para trás não andei" (Is 50, 4-5).
Tornar-se discípulo do Senhor! Este é um desafio que suscitou o seguimento aos
profetas que punham sua boca e sua inteligência à disposição de Deus, para
abrir os caminhos de Deus para seu tempo. Jesus, Salvador e Senhor, escolheu
discípulos que foram por ele enviados, de acordo com as tarefas que se abriam
no grande horizonte da evangelização, fazendo-os assim missionários.
A Igreja, em nosso tempo, especialmente à luz do grande
Documento da V Conferência do Episcopado da América Latina e do Caribe,
realizada em Aparecida - SP, tem buscado os caminhos para que o cristãos se
formem como discípulos verdadeiros, que se sintam também missionários, pois não
é possível separar as duas realidades. Bento XVI nos recordou que “o discípulo,
fundamentado na rocha da Palavra de Deus, sente-se motivado a levar a Boa Nova
da salvação a seus irmãos. Discipulado e missão são como os dois lados de uma
mesma moeda: quando o discípulo está enamorado de Cristo, não pode deixar de
anunciar ao mundo que só ele salva (cf. At 4,12). Na realidade, o discípulo
sabe que sem Cristo não há luz, não há esperança, não há amor, não há futuro”
(Documento de Aparecida, 146).
Aqueles que foram escolhidos por Jesus percorreram várias etapas
em sua formação. Descobriram-se amigos, chamados pelo nome, amados por Jesus,
que lhes ia ao encontro com misericórdia, corrigidos por ele em sua
imaturidade, ajudados a superar as dificuldades, para o seguirem com
radicalidade. Foram por ele enviados às primeiras experiências missionárias. Ao
retornarem, as lições se desdobram: “Os setenta e dois voltaram alegres,
dizendo: Senhor, até os demônios nos obedecem por causa do teu nome. Jesus
respondeu: Eu vi Satanás cair do céu, como um relâmpago. Eu vos dei o poder de
pisar em cobras e escorpiões, e sobre toda a força do inimigo. Nada vos poderá
fazer mal. Contudo, não vos alegreis porque os espíritos se submetem a vós.
Antes, ficai alegres porque vossos nomes estão escritos nos céus” (Lc 10,
17-20). Não podem acostumar-se com o elogio fácil e aparente, mas haverão de
apegar-se a valores consistentes, que não podem ser destruídos.
O Evangelho de São Marcos (10, 46-52), proclamado neste
final de semana em nossas celebrações eucarísticas, descreve uma etapa preciosa
da formação ao discipulado, quando chegam com Jesus a Jericó, depois de fazerem
um caminho ao longo do Jordão, vindos da Galileia. Curioso é que intervém uma
figura que não fazia parte do grupo escolhido inicialmente por Jesus. Chama
atenção o fato de que ele tem nome, Bartimeu, o filho de Timeu. Mendigo, cego,
morador de Jericó, ele se torna o modelo do discípulo. No Evangelho, pobre tem
nome e é importante!
Um homem que vivia na escuridão de sua cegueira, tendo
ouvido falar de Jesus, pergunta a respeito do ruído que se espalhava pela
cidade. Jesus se transforma na grande oportunidade para sua vida: “Jesus, filho
de Davi, tem piedade de mim”. Descobre que Jesus é a sua esperança! Não pode
desperdiçar esta oportunidade! Do mais profundo da vida de cada pessoa, emerge
o grito e o desejo de conhecer Jesus, quem sabe no meio de tanta confusão. O
discípulo é parecido com as outras pessoas. Não é melhor do que ninguém, mas é
capaz de gritar! Podem criticá-lo, mas Bartimeu aposta tudo e não faz caso das
reprovações circunstantes.
Nós também, muitas vezes temos os olhos e o coração
fechados. Jesus passa pelo caminho e, do mais profundo do abismo (Cf. Sl 129)
pode subir ao Senhor nosso clamor. Podem começar as dificuldades, pois os
cegos, os coxos e aleijados de sempre encontram muitas vozes que querem abafar
o grito. Pode ser a própria sociedade ou o ambiente que nos desviam, até para
que não incomodemos Jesus. Ou, quem sabe nosso comodismo, os hábitos adquiridos
ou outros impedimentos nos fazem calar a boca. O discípulo autêntico começa com
um clamor pela verdade e pela liberdade verdadeira!
Quem não escuta a voz das turbas, mas deixa vir à tona o
grito pela verdade, quem for constante na busca do Senhor, insistindo para
encontrar o Senhor, vai fazer Jesus parar nas estradas de Jericó. Apesar das
dificuldades externas, a oração do cego foi ouvida, mesmo quando aparentemente
Jesus está em silêncio, não fala nada, apenas caminha. É que o Senhor, tendo
ouvido desde o princípio o clamor do cego, quer vê-lo insistente e corajoso!
Depois Jesus parou, como faz sempre diante de qualquer pedido confiante.
Chamaram o cego: “Coragem, levanta-te, Jesus te chama”. Bartimeu jogou fora o
manto! Afinal, a vida agora será outra! E com um pulo se apresenta diante do
Senhor! Trata-se do salto a ser dado corajosamente pelo discípulo, na direção
do Senhor. Uma veste nova, presente de Batismo, é o sinal da novidade para cada
discípulo de todos os tempos!
Cegos ou não, temos desejos profundos a ser apresentados ao
Senhor, e ele não os despreza: “Mestre, que eu veja!”. Os discípulos encontram
mestres e não apenas professores. Mestre atrai, arrasta as pessoas para
compartilharem de sua vida. O milagre que se segue é o encontro daquele que
busca com o único que pode dar respostas. “Vai, a tua fé te salvou!”. Pediu a
cura dos olhos e encontrou a salvação. O mendigo se faz discípulo missionário,
seguindo Jesus pelo caminho, e nunca se esquecerá do Senhor. Certamente vamos
encontrá-lo no Céu, entre santos cujos nomes não foram divulgados.
Roteiro de vida para os discípulos de hoje: gritar, pular,
largar o manto, dizer o que quer, confrontar-se com o Senhor, deixar-se
envolver pelo manto da vida nova que vem da fé, continuar na estrada de Jesus
para a Jerusalém da morte e da ressurreição, sair pelo caminho contando o que
lhe aconteceu.
Aqui está nosso desafio fundamental: promover e formar
discípulos que respondam à vocação recebida e comuniquem em todas as partes,
transbordando de gratidão e alegria, o dom do encontro com Jesus Cristo. Não
temos outro tesouro a não ser este. Não temos outra felicidade nem outra
prioridade que não seja sermos instrumentos do Espírito de Deus na Igreja, para
que Jesus Cristo seja encontrado, seguido, amado, adorado, anunciado e
comunicado a todos, não obstante todas as dificuldades e resistências. Este é o
melhor serviço que a Igreja tem que oferecer às pessoas e nações (Cf. Documento
de Aparecida, 14).
Dom Alberto Taveira
Corrêa - Arcebispo de Belém do Pará - Assessor Eclesiástico da RCCBRASIL
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