A identidade carismática é marcada
por três elementos essenciais: o batismo no Espírito Santo, o exercício dos
carismas e a vida fraterna. Embora existam outros ambientes em que a prática
desse conjunto de elementos possa acontecer, o Grupo de Oração é, sem dúvida,
um lugar privilegiado para que se viva profundamente tais experiências.
Dizemos “lugar privilegiado” – não
exclusivo – pelo fato de que no Grupo de Oração tais experiências emanam “de
modo natural” como decorrência da abertura da comunidade reunida à experiência
do Espírito. Há na comunidade ali reunida uma fé expectante no agir de Deus que
se manifesta por meio do Batismo no Espírito Santo, que derramará seus dons e
carismas e possibilitará a experiência de vida fraterna.
Esses três elementos confirmam e
autenticam a identidade carismática. Por isso mesmo, o rosto de um Grupo de
Oração – comunidade carismática – só pode ser percebido na integração desses
três elementos, no mínimo.
Na Renovação Carismática Católica,
dois desses elementos estão sempre em relevo: as chamadas experiências de
Batismo no Espírito e a prática dos carismas. De fato, esses dois elementos são
emblemáticos e não podem ser relegados a um segundo plano ou postos como
adornos na vida do Movimento. Isso significaria desfigurar o rosto da RCC,
tornando-a dispensável à própria Igreja Católica. Renunciar a esses elementos
significaria nossa desfiguração ou deformação do rosto carismático que trazemos
por vocação na Igreja.
Ora, o mesmo vale dizer para o
elemento “vida fraterna”, que com os outros dois anteriores ajudam a
caracterizar a identidade carismática da RCC. Tão imprescindível quanto o
batismo no Espírito Santo e a prática dos carismas, a vida fraterna torna-se
elemento constitutivo na legitimação de nossa identidade carismática. Ninguém é
batizado no Espírito Santo para continuar vivendo no isolamento. Pelo
contrário, a experiência do Espírito abre a pessoa à experiência comunitária,
no amor de irmãos que, assim como ela, também se descobriram amados por Deus. A
pessoa é atraída – não forçada – para uma comunidade, lugar onde poderá
exercitar os carismas recebidos, crescendo em “sabedoria e graça” (Lc 2,52).
Grupo de oração, lugar de vida
fraterna
O Novo Testamento revela que o grupo
dos discípulos de Jesus já mantinha grande convivência mesmo antes de
Pentecostes. Desde que foram chamados por Jesus, os discípulos já faziam uma
experiência de vida fraterna, assistida e coordenada pelo Mestre. Enquanto
aguardavam o cumprimento da promessa (At 1,4), eles permaneciam em Jerusalém,
na sala do Cenáculo. Aguardavam como comunidade reunida.
Podemos tirar dessa afirmação ao
menos três questões relevantes para nossa reflexão: 1) Pentecostes é uma
experiência vivida “na comunidade”; 2) Embora seja na comunidade, a experiência
do Espírito é pessoal; 3) Uma consequência constitutiva de Pentecostes é a vida
em comunidade.
1) Pentecostes é uma experiência
vivida na comunidade
Quando o Espírito Santo foi derramado
no dia de Pentecostes (Cf. At 2), Lucas escreve que “eles estavam reunidos no
mesmo lugar” (At 2,1). Alguns dias antes, dois deles haviam se destacado do
grupo e caminhavam para fora da cidade quando o próprio Jesus lhes aparecera
convidando-os a retornar à cidade e a juntar-se novamente à comunidade, até que
fossem revestidos da força do alto (Cf. Lc 24,49). Ora, não foi obra do acaso o
fato de o Espírito Santo ter se manifestado quando os discípulos estavam reunidos
em comunidade.
A imagem da comunidade reunida
aguardando o derramamento do Espírito Santo não nos parece ser a imagem mais
próxima daquilo que marca nossos Grupos de Oração? A reunião de oração de um
povo que aguarda com “fé expectante” a manifestação poderosa do Espírito é a
forma mais autêntica de definir o significado de um Grupo de Oração. O Espírito
Santo vem quando eles estão reunidos. A importância de “permanecer reunidos” em
comunidade para a concretização da promessa do Consolador (Jo 14, 16) é
essencial para o evento Pentecostes.
2) A experiência do Espírito é
pessoal
Não obstante ao fato de Pentecostes
ser uma experiência comunitária, o texto dos Atos dos Apóstolos sublinha o fato
de que as “línguas de fogo pousaram sobre cada um deles” (At 2,3).
Chamamos de “experiência pessoal do
Espírito” a realidade que cada um experimenta individualmente quando Deus
derrama seu Espírito na comunidade reunida. O Espírito é dado a todos, mas cada
um o recebe na medida da abertura de seu próprio coração. Não se trata de uma
experiência “de massa”, por indução ou por “contágio”. O Espírito de Deus
visita a comunidade e enche a todo que se deixa por Ele ser tocado. O “sim” ao
Espírito é fruto da liberdade de cada fiel que se abre à experiência de amor.
Tal experiência individual, no
entanto, não mantém o fiel no isolamento ou na indiferença ao irmão. Ao
contrário, tanto mais a experiência do Espírito atinge a particularidade de
cada pessoa, quanto essa pessoa vai abrindo-se à vida fraterna em comunidade. À
medida que se descobre o agir do Espírito na vida interior, aumenta na mesma
proporção o grau de aproximação da pessoa com a comunidade. Essa é uma forma de
verificação da realidade de Pentecostes na vida do fiel.
É fundamental, portanto, ao Grupo de
Oração, que cada um viva sua experiência pessoal do Espírito de forma contínua,
pois isso resultará em grande graça para cada participante e para toda a
comunidade. Na medida em que “a graça de Deus cresce em nós sem cessar”, vamos
tornando-nos expressão dessa mesma graça para nossa comunidade, favorecendo
assim nossa vida fraterna.
As divisões dentro de um Grupo de
Oração não são frutos de meros impulsos humanos, mas no fundo, da ausência da
graça de Deus em nós. O afastamento da vida na graça de Deus poderia tornar-nos
insuportáveis uns aos outros. Sem a presença do “amor de Deus derramado em
nossos corações” (Rm 5,5) como poderíamos ser chamados de irmãos?
Por isso, faz-se necessário pedir
sempre um novo Pentecostes para cada pessoa presente no Grupo de Oração, individualmente.
3) Uma consequência constitutiva de
Pentecostes é a vida em comunidade
Chegamos aqui ao ponto central de
nosso tema. Pensar o Grupo de Oração como uma comunidade fraterna é tocar na
consequência objetiva mais impactante de Pentecostes. Mais desconcertante do
que a manifestação miraculosa dos carismas de profecia, cura e pregação na
comunidade primitiva, o testemunho de uma comunidade fraterna (frater = irmãos)
deixava os concidadãos dos discípulos intrigados. “Vejam como eles se amam”,
diziam a respeito daqueles seguidores de Jesus que há pouco recebera o Espírito
Santo. Era o cumprimento do mandamento do Senhor: “Nisto todos conhecerão que
sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13, 35).
Traduzimos por “comunhão fraterna” o
termo grego koinonia. Trata-se da união espiritual dos que se deixaram batizar
na mesma fé e que assumiram um projeto de vida comum.
Se antes da vinda do Espírito era
possível a comunidade permanecer reunida, agora com o derramamento abundante da
graça do Espírito será possível atingir o aperfeiçoamento da vida comunitária.
O sonho de viver como irmãos tornar-se-á possível exatamente por auxílio da
graça derramada. As disputas ou divisões podem ser superadas, pois “o amor foi
derramado nos corações” (Rm 5,5). A partilha não será uma utopia para quem se
deixou tocar e conduzir pelo Espírito. “Eles tinham tudo em comum” (At 4,32).
Quando a experiência do Espírito
toca-nos profundamente o mais íntimo do coração, somos convencidos de que a
comunidade de irmãos (embora ainda repletas de limitações e fragilidades
humanas) é um verdadeiro refúgio e fortaleza na luta contra tudo o que há de
mal no mundo.
Nesse sentido, o Grupo de Oração é um
lugar privilegiado para a experiência fraterna! E para que essa realidade se
concretize na vida cotidiana do GO é preciso que cada participante saiba de sua
importância, como colaborador do Espírito no aperfeiçoamento da vida fraterna
da comunidade.
A atitude de acolher não deve ser
delegada a um grupo de pessoas, apenas. Embora exista normalmente um ministério
ou equipe de acolhida em nossos Grupos de Oração, a função de acolher ao
próximo é papel de todos. Coordenadores, servos e participantes devem se deixar
conquistar pela graça do acolhimento, dom próprio do Espírito derramado na vida
da comunidade.
A fraternidade não deve existir
somente em função de uma necessidade ou situação inusitada. Ela deve ser constitutiva
na vida do Grupo de Oração. Acolher com alegria e cuidar uns dos outros é um
dos sinais evidentes de Pentecostes.
Um testemunho
Participo de Grupo de Oração há quase
25 anos. Durante esse tempo vivi e continuo vivendo muitas experiências que acabam
por deixar marcas profundas em minha história pessoal. Quantas curas
miraculosas, vi acontecer pela manifestação de legítimos carismas no meio da
comunidade. Quantas pessoas eu vi mudarem de vida depois de terem vivido a
experiência de batismo no Espírito Santo. Em minha vida mesmo, quantas mudanças
percebi como decorrentes dessa ação do Espírito! Louvo a Deus por tudo o que
Ele fez em mim!
Preciso afirmar, entretanto, que as
experiências que mais marcaram minha vida e da minha família foram as experiências
de vida fraterna no seio do Grupo de Oração.
No ano de 1996, passamos por uma
grande dificuldade que atingiu nossa vida financeira. Morávamos de aluguel e
recebemos comunicado de despejo, pois estávamos entrando no terceiro mês de
atraso no pagamento. Não tínhamos condições de pagar aquele valor e não
sabíamos como resolver aquela situação. Eu e minha esposa buscávamos encontrar
saídas para aquele episódio de constrangimento e preocupação para com nossos
filhos. Rezávamos e íamos com nossos filhos ao Grupo de Oração. Eu e minha
esposa fazíamos parte do Ministério de Música e éramos responsáveis pela
animação de louvor na reunião de oração. Nossos problemas nunca nos impediram
de assumirmos nosso ministério com alegria.
Enquanto apresentávamos por meio da
oração esta situação difícil diante de Deus, alguns irmãos do Grupo de Oração
ficaram sabendo de nossa situação e naquele momento pude ver a consequência do
batismo no Espírito Santo acontecer de forma bastante concreta no testemunho
comunitário do meu Grupo de Oração. Fizeram uma coleta entre eles, sem que eu
soubesse, e me ajudaram a quitar meus aluguéis atrasados e contas de água e
luz. Cuidaram de minha família, como pastores que cuidam de suas ovelhas.
Supriram nossas necessidades de alimentos durante cerca de seis meses, até que
eu tivesse melhorado minhas condições. Até o material escolar de minhas
crianças era providenciado por Deus pela ação fraterna dos membros do Grupo de
Oração. Não se tratava de um mero assistencialismo. Percebíamos o amor com que
realizavam aquelas ações em nosso favor. Tudo estava acompanhado de profundos
momentos de oração em minha casa. A atenção que recebemos naquele momento de
fragilidade que minha família passava marcou-nos profundamente.
Entendi através daqueles momentos que
o testemunho de partilha e comunhão fraterna das primeiras comunidades cristãs
não era uma utopia. Eu vi em minha própria vida esta consequência de
Pentecostes. Aquela atitude de acolhida testemunhou e consolidou na comunidade
o batismo no Espírito Santo. Eram sinais da Cultura de Pentecostes!
Quantas pessoas podem estar
participando de nossos Grupos de Oração e que estão precisando ser acolhidas e
cuidadas com mais atenção? Seria justo celebrar durante uma hora e meia ao lado
de uma pessoa que se senta ao nosso lado na Igreja, cantando cantos alegres e
ouvindo a Palavra de Deus, sem sequer saber o nome e o lugar de onde aquela
pessoa vem? E se ela não voltar, quem perceberá sua ausência? Quantos dentre os
próprios servos vivem verdadeiras lutas sem poder contar com a ajuda dos irmãos
de comunidade...
Devemos continuar com os olhos
voltados para o céu, esperando as respostas de Deus, mas precisamos manter
também os braços abertos e estendidos para acolher cada um daqueles que foram
atraídos ao nosso Grupo de Oração. A experiência de amor vivida em comunidade
deixará marcas profundas na vida de todos, sobretudo na vida daqueles que
receberem esse amor fraterno.
Peçamos continuamente o batismo no
Espírito Santo em nossas reuniões de oração para que a comunidade, repleta dos
dons e carismas do Espírito, seja capaz de traduzir tudo isso num autêntico
testemunho de vida fraterna.
Rogério Soares - Coordenador Estadual da RCC São Paulo
Grupo de Oração Kénosis
Grupo de Oração Kénosis
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