Penso que, como simples amostra, podem-nos ajudar algumas
pinceladas sobre as quatro virtudes cardeais. Serão rápidas, impressionistas, e
mostrarão apenas umas poucas moedas do tesouro riquíssimo que guarda cada uma
delas.
Prudência. Como ajuda e enche de segurança ter
um pai que seja alegre, sensato e reflexivo! Que não improvise. Que não dê
decepções a toda a hora, mudando de planos sem mais nem menos. Que não dê
sustos por ter-se esquecido de controlar as contas bancárias, ou os prazos
disto ou daquilo; que não precise ouvir aquelas palavras do Paraíso de Dante:
Siate, cristiani, a muovervi più gravi: non siate come pena ad ogni vento…
(“Caminhai, cristão, com mais ponderação: não sejais qual pena movida por qualquer
vento…”).
Justiça. Como faz bem aos filhos ter um pai e
uma mãe que cumprem o que prometem! Que não se desdizem, porque ficou mais
difícil aquele passeio com os filhos e estão cansados e são comodistas. Que não
tratam os filhos como números, com ordens genéricas, iguais para todos, como se
o lar fosse um quartel, mas, como pede a justiça, tratam desigualmente os
filhos desiguais (logicamente, não por mimo ou preferências injustas). Que, se
fazem uma repreensão justa e prometem um pequeno ou médio castigo (castigo
grande quase nunca se justifica), não amolecem, mas cumprem, sem deixar de
cercar o filho punido da certeza de que é muito amado e só se quer o seu bem.
E fazem bem aos filhos outras “justiças” menores do
cotidiano. Por exemplo, saber que os pais não se aproveitam nunca de um troco
errado (devolvem ao caixa a diferença), nem dão jeitos para enganar e deixar de
pagar uma entrada, que qualquer pessoa honesta paga.
Fortaleza. Bastaria lembrarmo-nos da mãe que
admirávamos há pouco. Mas é também um exemplo maravilhoso viver num clima
familiar em que não se ouvem queixas nem reclamações. Em que ninguém se julga
mártir ou vítima. Em que o pai, exausto, é capaz de ficar brincando com os
filhos, interessando-se pelas suas pequenas problemáticas ou pelos seus sonhos
e alegrias, e tudo isso sabendo oferecer a todos um sorriso afável, no meio da
pena ou do esgotamento. Pais que sempre projetam a bela luz da paciência e da
constância.
Temperança. Que grande exemplo dão os pais que
nunca são vistos, nem dentro nem fora de casa, nem nos dias de trabalho nem aos
domingos, e feriados, abusando da comida e da bebida! Que não se iludem,
achando que vão enganar os filhos dizendo-lhes que se trata só de um
“aperitivo” ou uma “cervejinha” de que precisam muito porque andam fatigados e
faz bem para a saúde, quando os filhos os veem claramente “altos”, com a voz
gosmenta e as pernas bambeando por excesso de álcool. Pelo contrário, como toca
o coração ver uma mão que habitualmente “gosta” do pedaço de carne que tem mais
nervos e gorduras, ou ver o pai que “gosta” do cinema que a mãe adora…, mesmo
em dias em que joga o seu time.
E a temperança na TV e na Internet? Acham que os filhos são
tolos? Em matéria de informática, quase sempre dão um solene “chapéu” nos pais,
e descobrem muito facilmente – pois ainda não aprenderam a viver a virtude da
discrição e a controlar a curiosidade – a quantidade de sites inconvenientes
que o pai visitou, como se fosse um adolescente com obsessão sexual neurótica.
E em matéria de humildade, que São Tomás de Aquino situa no
âmbito da temperança? Como se nota a falta de humildade e como faz mal! Por
isso, é tão formativo que os filhos percebam que os pais não se deixam arrastar
por mesquinharias de susceptibilidade, por mágoas persistentes, por rancores e
incapacidade de perdoar. Que nunca vejam os pais virando o rosto para ninguém,
nem dominados por espírito de revide e vingança, nem com raiva do cunhado que
fez isso ou da tia que fez aquilo…
Virtudes humanas! São tantas as que os pais deveriam cultivar,
como uma lâmpada que brilha em lugar escuro… (1Pe 1, 19)! Cultivar virtudes e
ensiná-las aos filhos, com a autoridade moral que dá o exemplo, é um
empreendimento árduo, mas é decisivo, e, por isso, deve ser enfrentado pelos
pais (tendo uma intensa vida interior, muita formação cristã, exame de
consciência todas as noites, direção espiritual, etc.), e, com a graça de Deus,
deve ser levado a termo. Oxalá os filhos, quando crescerem, possam dizer que
nunca se apagou deles a imagem do pai, a imagem da mãe, e que até à velhice o
pai e a mãe continuaram a iluminar lhes a vida.
Isto foi o que aconteceu a um amigo meu muito chegado. A
imagem dos pais ficou-lhe gravada para sempre, como uma estrela orientadora. E
veio a tomar uma consciência mais plena dessa bela realidade quando aconteceu o
fato que transcrevo a seguir, usando literalmente as palavras com que ele
descreveu:
Por ocasião de um centenário
“Meu pai morreu com 85 anos de idade, em 1987. Quando ia
começar o ano de 2002, filhos, netos, amigos e colegas da sua profissão
jurídica resolveram honrar lhe a memória, comemorando, com diversas celebrações
– alhures, lá na terra onde ele nasceu e viveu -, o centenário do seu
nascimento. Para uma dessas celebrações, ocorreu-me preparar umas palavras de
público agradecimento – de gratidão filial -, sob o título: O que eu aprendi de
meu pai.
“Penso que pode ser esclarecedor acrescentar que redigi esse
texto em cima da hora, deixando os dedos e o coração correrem espontaneamente
pelo teclado do computador. Tal como o texto surgiu e foi lido na cerimônia,
transcrevo-o a seguir:
“– De meu pai, eu aprendi o valor da simplicidade.
Lembrando-me dele, compreendo muito bem que essa virtude amável é o segredo da
autêntica grandeza.
“– De meu pai aprendi o que significa respeito profundo por
cada ser humano. Para ele, um ajudante de pedreiro ou uma humilde faxineira
tinha tanto ou mais valor que o presidente de uma grande companhia. E, no seu
escritório de advogado-tabelião, o problema dos limites da minúscula horta de
dona Maria <> tanto como a constituição de uma grande
sociedade.
“– Ao pensar no meu pai, ainda hoje fico comovido toda vez
que me recordo do respeito que tinha pelos seus seis filhos. Não os dominava
nem os descurava: educava-os dentro de profundos valores cristãos (em comunhão
estreita com a mãe), mas sempre respeitando-lhes as opções, as preferências, as
escolhas nobres, a vocação, a liberdade responsável.
“– De meu pai aprendi que não há alma tão amável como aquela
que possui, no seu fundo mais íntimo, o tesouro da humildade. E que não existe
coisa mais ridícula que o inchaço do orgulhoso, os ares de grandeza do
convencido e a correria ansiosa do ambicioso. Eu diria que ele somente conheceu
aquelas pequeninas vaidades, minúsculas e até infantis, que não embaçam a
humildade de coração.
“– De meu pai aprendi também a alegria única que
proporcionam as coisas mais singelas do mundo, como as festas familiares, as
tradições do lar, os passeios no campo, a observação dos pássaros, das árvores,
dos plantios e das pastagens, os “bate-papos” com os amigos, e as leituras
repousadas de livros bons.
“– De meu pai aprendi
que certas nuvens escuras, que poderiam toldar seriamente o convívio familiar,
podem dissipar-se ou atenuar-se muito com uma pitada de bom humor sem ácido e
sem fel.
“– De meu pai aprendi que é possível viver uma longa vida
sem guardar nem uma migalha de ódio, de inveja ou de rancor, movido apenas pelo
impulso permanente de bondade.
“– De meu pai aprendi que o coração só se sente bem com a
verdade, e que a menor mentira incomoda e faz mal.
“– De meu pai aprendi o que é ser amigo dos amigos, apenas
pela alegria de tê-los e de ficar feliz vendo que estão contentes.
“– De meu pai aprendi a grandeza de sermos fiéis aos
autênticos valores e convicções. Vendo-o, aprendi que, debaixo de Deus, há
infinitas maravilhas; mas que por cima ou à margem de Deus não há nenhuma, pois
Ele é <> a maravilha e sem Ele nenhuma o é…
“– De meu pai aprendi como é grande e cativante o homem que
vive a fé com a mesma naturalidade com que respira, sem exibicionismo nem
retórica, mas também sem respeitos humanos nem receio de se mostrar como
cristão.
“– De meu pai aprendi como é belo não se preocupar nem um
pouquinho com o que os outros possam pensar ou dizer, quando se possui um
coração reto, uma intenção pura e boa vontade…
“– De meu pai aprendi… tantas coisas! Perdão. Desde o inicio
destas evocações, eu deveria ter dito tudo de maneira diferente. Eu deveria ter
dito: – De meu pai eu poderia ter aprendido tantas coisas boas! E de minha mãe,
que mereceria uma evocação igual. Que Deus me perdoe por não ter sabido fazê-lo
como eles mereciam!…”
Estas foram as palavras lidas naquela homenagem. “Relendo-as
depois – comentava ainda o meu amigo –, dei-me conta de que só fiquei falando
do exemplo. Isto me tem ajudado a valorizar o exemplo, como a melhor herança
que os pais podem deixar os filhos”.
Texto retirado do livro: A Força do exemplo, Francisco
Faus
Nenhum comentário:
Postar um comentário