Na primeira carta aos tessalonicenses (5,23) São Paulo
menciona o espírito (pneuma) junto com a alma (psiqué) e o corpo (soma). Eis o
texto: "E o Deus da paz vos santifique em tudo, a fim de que todo o vosso
espírito, e a alma e o corpo se conservem sem culpa para a vinda de Nosso
Senhor Jesus Cristo". Esta passagem não prova que São Paulo acreditava
numa divisão tricotômica do ser humano, contra a divisão dicotômica que segue
em outras partes. Para ele existe o corpo material (soma) e alma (psiqué). A
parte mais elevada da alma, ou seja, o espírito (pneuma) é a que assemelha o
homem a Deus, isto é, a razão informada pela graça. A pessoa humana é um corpo
(soma) informado por uma alma (psiqué) ou uma alma que informa um corpo. Daí se
falar em fenômenos psicossomáticos, ou seja, pertencentes ou relativos,
simultaneamente, aos domínios orgânico e psíquico. A grande questão é saber se
São Paulo professou ou não a tricotomia platônica. Em primeiro lugar é bom que
se saiba que a tricotomia corpo, alma e espírito é mais antiga que Platão. É
certo que depois a encontramos também em Aristóteles para quem o nous, ou seja,
a forma mais alta de conhecimento que em latim significa intelecto, é imortal,
princípio de vida intelectual e se opõe a psiqué, a alma sensitiva,
inconcebível independente do corpo (soma). Judeu helenista, Paulo empregou a
linguagem helenística de sua época em matéria de psicologia, servindo-se de uma
divisão clássica naquele tempo. Entretanto, quando ele distingue espírito (pneuma)
do homem de sua alma (psiqué) não é na filosofia grega e menos ainda na mística
pagã que ele encontra a noção particular de espírito, mas se trata de uma
lembrança da narrativa bíblica da criação do homem. As antigas expressões
hebraicas ruah (espírito) e nefes (alma) ambas significam o fôlego da vida ou
sede dos pensamentos e dos sentimentos. O espírito é uma parte do composto
humano e não há entre ele e alma, aos olhos do Apóstolo senão uma diferença
modal. A alma designando o conjunto de suas funções, sobretudo vitais e
sensíveis e o espírito expressando a mesma alma nas suas funções intelectuais.
O corpo é a pobre máquina corporal, na qual Paulo encontra muitas enfermidades
(Rm 7,24). Em síntese, nós temos três termos, três aspectos do ser humano, que
resumem todo o seu ser e todas as suas atividades e não três partes distintas
do composto humano.São Paulo simplesmente adaptava um vocabulário antigo a
significações inteiramente novas. Portanto, espírito (pneuma) retém o sentido
de sopro, respiração. Exprime a natureza do espírito como força vital, como o
dinamismo organizador que é o próprio da vida. É uma forma superior da vida. O
intelecto (nous) que flui no terreno da formação da ontologia do ser em
Parmênides e da visão teleológica da Natureza de Anaxágoras e Diógenes de
Apolônia é uma visão em profundidade (intus legere - ler dentro). O espírito
enquanto logos é visto na sua relação com a palavra, sendo a palavra
inteligível a manifestação do mesmo espírito. Pode-se considerar o espírito
também como consciência de si. É o que se percebe em Santo Agostinho e se
torna, a partir de Descartes, um tema dominante da filosofia moderna, como
filosofia da subjetividade e da autodeterminação do espírito. As noções
filosóficas aqui tratadas são aprofundadas magistralmente pelo Pe. Henrique
Vaz, na sua magnífica obra Antropologia Filosófica, publicada pelas Edições
Loyola. Portanto, espírito e alma são dois aspectos de uma mesma realidade, ou
seja, do princípio de vida no ser humano.
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho
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