A Igreja chama de purgatório a purificação final dos eleitos
|
Desde os primórdios a Igreja, assistida pelo Espírito Santo (cf. Mt 28,20; Jo
14,15.25; 16,12´13), acredita na purificação das almas após a morte, e chama
este estado, não lugar, de Purgatório.
Ao nos ensinar sobre esta matéria, diz o nosso Catecismo:
"Aqueles que morrem na graça e na amizade de Deus, mas imperfeitamente
purificados, estão certos da sua salvação eterna, todavia sofrem uma
purificação após a morte, afim de obter a santidade necessária para entrar na
alegria do céu" (CIC, §1030).
Logo, as almas do Purgatório "estão certas da sua salvação
eterna", e isto lhes dá grande paz e alegria.
Falando sobre isso, disse o Papa João Paulo II:
"Mesmo que a alma tenha de sujeitar-se, naquela passagem para o Céu, à
purificação das últimas escórias, mediante o Purgatório, ela já está cheia de
luz, de certeza, de alegria, porque sabe que pertence para sempre ao seu
Deus." (Alocução de 3 de julho de 1991; LR n. 27 de 7/7/91)
O Catecismo da Igreja ensina que:
"A Igreja chama de purgatório esta purificação final dos eleitos,
purificação esta que é totalmente diversa da punição dos condenados. A Igreja
formulou a doutrina da fé relativa ao Purgatório principalmente nos Concílios
de Florença (1438-1445) e de Trento (1545-1563)" (§ 1031).
"Este ensinamento baseia-se também sobre a prática da oração pelos
defundos de que já fala a Escritura Sagrada: Eis porque Judas Macabeus mandou
oferecer este sacrifício expiatório em prol dos mortos, a fim de que fossem
purificados de seu pecado (2 Mac 12, 46). Desde os primeiros tempos a Igreja
honrou a memória dos defuntos e ofereceu sufrágios em favor dos mesmos,
particularmente o sacrifício eucarístico, a fim de que, purificados, possam
chegar à visão beatífica de Deus. A Igreja recomenda também as esmolas, as
indulgências e as obras de penitência em favor dos defuntos".
Devemos notar que o ensinamento sobre o Purgatório tem raízes já na crença dos
próprios judeus, cerca de 200 anos antes de Cristo, quando ocorreu o episódio
de Judas Macabeus. Narra-se aí que alguns soldados judeus foram encontrados
mortos num campo de batalha, tendo debaixo de suas roupas alguns objetos
consagrados aos ídolos, o que era proibido pela Lei de Moisés. Então Judas Macabeus
mandou fazer uma coleta para que fosse oferecido em Jerusalém um sacrifício
pelos pecados desses soldados. O autor sagrado, inspirado pelo Espírito Santo,
louva a ação de Judas:
"Se ele não esperasse que os mortos que haviam sucumbido iriam ressuscitar,
seria supérfluo e tolo rezar pelos mortos. Mas, se considerasse que uma
belíssima recompensa está reservada para os que adormeceram piedosamente, então
era santo e piedoso o seu modo de pensar. Eis porque ele mandou oferecer esse
sacrifício expiatório pelos que haviam morrido, afim de que fossem absolvidos
do seu pecado". (2 Mac 12,44s)
Neste caso, vemos pessoas que morreram na amizade de Deus, mas com uma
incoerência, que não foi a negação da fé, já que estavam combatendo no exército
do povo de Deus contra os inimigos da fé.
Todo homem foi criado para participar da felicidade plena de Deus (cf. CIC,
1), e gozar de sua visão face-a-face. Mas, como Deus é "Três vezes
Santo", como disse o Papa Paulo VI, e como viu o profeta Isaías (Is 6,8),
não pode entrar em comunhão perfeita com Ele quem ainda tem resquícios de
pecado na alma. A Carta aos Hebreus diz que: "sem a santidade ninguém pode
ver a Deus" (Hb 12, 14). Então, a misericórdia de Deus dá-nos a
oportunidade de purificação mesmo após a morte. Entenda, então, que o
Purgatório, longe de ser castigo de Deus, é graça da sua misericórdia paterna.
O ser humano carrega consigo uma certa desordem interior, que deveria extirpar
nesta vida; mas quando não consegue, isto leva-o a cair novamente nas mesmas faltas.
Ao confessar recebemos o perdão dos pecados; mas, infelizmente, para a maioria,
a contrição ainda encontra resistência em seu íntimo, de modo que a desordem, a
verdadeira raiz do pecado, não é totalmente extirpada. No purgatório essa
desordem interior é totalmente destruída, e a alma chega à santidade perfeita,
podendo entrar na comunhão plena com Deus, pois, com amor intenso a Ele,
rejeita todo pecado.
Com base nos ensinamentos de São Paulo, a Igreja entendeu também a realidade do
Purgatório. Em 1Cor 3,10, ele fala de pessoas que construíram sobre o
fundamento que é Jesus Cristo, utilizando uns, material precioso, resistente ao
fogo (ouro, prata, pedras preciosas) e, outros, materiais que não resistem ao
fogo (palha, madeira). São todos fiéis a Cristo, mas uns com muito zelo e
fervor, e outros com tibieza e relutância. E Paulo apresenta o juízo de Deus
sob a imagem do fogo a provar as obras de cada um. Se a obra resistir, o seu
autor "receberá uma recompensa"; mas, se não resistir, o seu autor
"sofrerá detrimento", isto é, uma pena; que não será a condenação;
pois o texto diz explicitamente que o trabalhador "se salvará, mas como
que através do fogo", isto é, com sofrimentos.
O fogo neste texto tem sentido metafórico e representa o juízo de Deus (cf. Sl
78, 5; 88, 47; 96,3). O purgatório não é de fogo terreno, já que a alma, sendo
espiritual, não pode ser atingida por esse fogo. No purgatório a alma vê com
toda clareza a sua vida tíbia na terra, o seu amor insuficiente a Deus, e
rejeita agora toda a incoerência a esse amor, vencendo assim as paixões que
neste mundo se opuseram à vontade santa de Deus. Neste estado, a alma se
arrepende até o extremo de suas negligências durante esta vida; e o amor a Deus
extingue nela os afetos desregrados, de modo que ela se purifica. Desta
forma, a alma sofre por ter sido negligente, e por atrasar assim, por culpa
própria, o seu encontro definitivo com Deus. É um sofrimento nobre e
espontâneo, inspirado pelo amor de Deus e horror ao pecado.
Pensamentos Consoladores sobre o Purgatório
O grande doutor da Igreja, São Francisco de Sales (1567-1655), tem um
ensinamento maravilhoso sobre o purgatório. Ele ensinava, já na idade média,
que "é preciso tirar mais consolação do que temor do pensamento do
Purgatório". Eis o que ele nos diz:
1 - As almas ali vivem uma contínua união com Deus.
2 - Estão perfeitamente conformadas com a vontade de Deus. Só querem o que Deus
quer. Se lhes fosse aberto o Paraíso, prefeririam precipitar-se no inferno a
apresentar-se manchadas diante de Deus.
3 - Purificam-se voluntariamente, amorosamente, porque assim o quer Deus.
4 - Querem permanecer na forma que agradar a Deus e por todo o tempo que for da
vontade Dele.
5 - São invencíveis na prova e não podem ter um movimento sequer de
impaciência, nem cometer qualquer imperfeição.
6 - Amam mais a Deus do que a si próprias, com amor simples, puro e
desinteressado.
7 - São consoladas pelos anjos.
8 - Estão certas da sua salvação, com uma esperança inigualável.
9 - As suas amarguras são aliviadas por uma paz profunda.
10 - Se é infernal a dor que sofrem, a caridade derrama-lhes no coração
inefável ternura, a caridade que é mais forte do que a morte e mais poderosa
que o inferno.
11 - O Purgatório é um feliz estado, mais desejável que temível, porque as
chamas que lá existem são chamas de amor.
Fonte: Extraído do livro O Breviário da Confiança, de Mons. Ascânio Brandão, 4a. ed. Editora Rosário, Curitiba, 1981