Fomos chamados
por Deus à novidade de vida, a participar de sua maravilhosa obra,
que aponta para o alto e para frente. O Apocalipse nos faz sonhar
alto! “Esta é a morada de Deus-com-os-homens. Ele vai morar junto
deles. Eles serão o seu povo, e o próprio Deus-com-eles será seu
Deus. Ele enxugará toda lágrima dos seus olhos. A morte não
existirá mais, e não haverá mais luto, nem grito, nem dor, porque
as coisas anteriores passaram”. Aquele que está sentado no trono
disse: “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21, 3-4). O
quadro social, político e econômico em que se encontra o mundo, em
nossos dias e aqui, bem em nossa pátria, parece contradizer o que,
sendo sonho de Deus, deveria tornar-se projeto da humanidade. É
impressionante como se espalha o confronto e o ódio entre as
pessoas, a violência se instala, os grupos e partidos, cuja vocação
deveria ser o cultivo da legítima diversidade, tornam-se adversários
e inimigos. Da vizinhança, passando pelas ruas, estádios, praças e
a sociedade, chega às raias do absurdo o quanto se pretende eliminar
o diferente, sejam quais forem as bandeiras empunhadas pelas muitas
partesenvolvidas.
Há muito tempo
atrás (Cf. At 14, 21-27), Paulo e Barnabé, da primeira geração de
cristãos, empreenderam viagens missionárias, nas quais primaram
pela criatividade e solicitude. Algumas atitudes assumidas por eles
podem iluminar nossos dias e a desafiadora tarefa dos cristãos,
chamados a serem neste tempo que se chama “hoje”, anunciadores da
Boa Nova do Evangelho. A todos afirmavam ser necessário “passar
por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus” (Cf. At 14,
23). É ilusório pretender um mundo renovado sem a entrega da
própria vida, inclusive com a prontidão à imolação e ao
derramamento do próprio sangue. Não nos enganemos! Nossa salvação
e a salvação do mundo passam necessariamente pela Cruz! O
enfrentamento dos obstáculos exige iniciativa, coragem para dar o
primeiro passo na busca da reconciliação, prontidão para os
esforços mais duros e exigentes, tudo ungido pela serenidade de quem
busca acima de tudo a vontade deDeus.
Outra atitude
notável foi a confiança que Paulo e Barnabé depositaram em pessoas
escolhidas como presbíteros, gente de responsabilidade colocada à
frente das Comunidades. No início dos Atos dos Apóstolos, tinham
surgido outros servidores (At 6, 1-6), sete homens aos quais foi
entregue o serviço da caridade, início do que hoje chamamos de
Diáconos. De lá para cá, a Igreja foi sempre desafiada a discernir
os caminhos indicados pelo Espírito Santo, valorizar os carismas,
promover novas lideranças, ajudá-las a se prepararem bem, lançá-las
a novas tarefas e identificar os desafios missionários, para sair de
si mesma, para que todos, sem exceção, se lancem a campo, para que
sejamos,naexpressãotãocaraaoPapaFrancisco,umaIgreja“emsaída”,
formada por discípulos que sejam efetivamente missionários! Assim,
anunciaremos a Palavra e poderemos contar uns aos outros como Deus
abre as portas da fé em nosso tempo (Cf. At 14,25.27).
Entretanto, por
mais que nos esforcemos, os recursos humanos são limitados, nossas
forças são desproporcionais ao tamanho do desafio. Só no Céu está
a solução! O cristianismo não é um código de leis destinadas ao
bom comportamento ou, quem sabe, a normatização das relações
sociais que constituem a cidadania. Em nosso país, multiplicam-se as
leis, a organização de Conselhos, a regulamentação do convívio
social, pretende-se unificar os programas educacionais, inclusive
contendo princípios que contradizem nossas convicções religiosas e
os valores morais e éticos. O resultado está aí, bem à nossa
vista. Como falta o Céu como referência, a terra se estraga, mesmo
com milhares de páginas escritas. Como faltam homens e mulheres
renovados por dentro, o desastre se faz e searrasta.
No Céu está a
solução. “Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros.
Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros.
Nisto conhecerão todos que sois os meus discípulos: se vos amardes
uns aos outros” (Jo 13, 34-35). O segredo está na palavrinha
“como”. Se as relações humanas forem apenas humanas, não
levarão muito adiante a mudança da sociedade. O modelo está no
Céu, do jeito como o Pai ama o Filho, o Filho ama o Pai e este amor
é o Espírito Santo. O amor de Deus é sem medida, sem limites. Ele
nos amou por primeiro, toma a iniciativa, tem a reciprocidade como
princípio, não cobra do outro, entrega-se totalmente. Volto à
palavra “sonho”. O desastre entre nós é justamente achar que o
projeto de Deus é irreal, não tem o pé no chão, que realistas
somos nós que fazemos treinamento de tiro ao alvo com olhares e
gestos, para o duelo cotidiano!
O Apóstolo São
Paulo (1 Cor 13, 4-7), depois de descrever os muitos dons e carismas
presentes nas Comunidades cristãs, aponta o caminho que chama de
excelente, no hino à caridade: “O amor é paciente, é benfazejo;
não é invejoso, não é presunçoso nem se incha de orgulho; não
faz nada de vergonhoso, não é interesseiro, não se encoleriza, não
leva em conta o mal sofrido; não se alegra com a injustiça, mas
fica alegre com a verdade. Ele desculpa tudo, crê tudo, espera tudo,
suporta tudo”. O Papa Francisco tomou este texto como referência
ao descrever, de modo surpreendente, o amor no matrimônio, na
Exortação Apostólica “Amoris lætitia”, cuja leitura
recomendo. Diante da grave crise da família em nossos dias, o Papa
não tem receio de propor o modelo do Céu, quando propõe à família
hodierna a paciência, como exercício da misericórdia, indica o
caminho para que o amor seja recíproco e se manifesta na ternura do
afeto e das obras, para penetrar toda a vida. Diz o Papa que convém
cuidar da alegria do amor gratuito, ou insiste com os jovens no
casamento por amor, ou dá “dicas” para o diálogo em família.
Cabe a nós desfrutar estes ensinamentos e ampliá-los, como
incendiários, partindo do fogo do afeto da caridade no lar, para
alcançar as comunidades, passar pelas nossas ruas e chegar ao
mundointeiro!
D. Alberto Taveira
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