Nos dias de hoje, pouco a
pouco, a palavra "sexo" está sendo substituída pela palavra
"gênero". Antes se falava em "discriminação de sexo";
agora se fala em "discriminação de gênero". Tudo parece muito
inocente. Afinal, "sexo" possui um significado secundário,
subentendendo relação sexual ou atividade sexual. "Gênero"
parece mais delicado e refinado. Ledo engano, pois, por trás da palavra
"gênero", agora adotada por muitos, para substituir a palavra
"sexo", há uma teoria, um programa e uma política de atuação
arquitetados para que venham a prevalecer certos conceitos acerca desse
tema... Explico-me.
A teoria do gênero é uma
hipótese segundo a qual a identidade sexual do ser humano depende do
ambiente sociocultural e não do sexo - homem ou mulher - que o
caracteriza, desde o instante da concepção.
Assim, o nosso sexo biológico
não seria mais importante do que o fato de alguém ser alto ou baixo,
branco ou afrodescendente; a identidade, feminina ou masculina, teria
pouco a ver com as características biológicas do nosso corpo, pois essa
identidade seria, de fato, imposta pela sociedade. Sem outra escolha,
desde a mais tenra idade cada pessoa interiorizaria o papel que
supostamente deve desempenhar na sociedade, na condição de homem ou de
mulher. Segundo essa teoria, o nosso gênero deveria ser alicerçado na
nossa orientação sexual, a qual somos livres para aceitar. Essa
orientação poderia ter formas diversas, bem como poderia alterar-se ao
longo dos anos.
Em outras palavras: a teoria do
gênero subestima a realidade biológica do ser humano. Valoriza, sim, a
construção sociocultural da identidade sexual, opondo-a à natureza.
Enquanto "sexo" designa a realidade biológica - menino ou
menina -, "gênero" designa a dimensão social do sexo. De acordo
com essa teoria, o termo "gênero" designa a masculinidade ou
feminilidade construída pelo ambiente social e cultural (idioma,
educação, modelos propostos etc.). O gênero não dependeria do sexo
biológico: seria subjetivo, pois obedeceria à percepção que cada
indivíduo tem de si mesmo e da sexualidade que escolheu viver.
As consequências dessa teoria
são imensas. Nasce, assim, um novo "modelo" familiar. A família
- formada a partir de um casal composto por um homem e uma mulher -
não seria mais legítima do que outras formas de
"família".
Biologicamente, todo ser humano
é homem ou mulher. Desde o nascimento, a educação e a cultura, absorvidas
pelo ser humano em formação, interagindo com o meio social e, sobretudo,
com a presença dos pais (pai e mãe) e das pessoas com quem a criança
convive, permitem que ela construa, pouco a pouco, a sua identidade de
menino ou menina. Assim, a criança forma a sua identidade sexual do ponto
de vista psicológico, cultural. É natural que o comportamento social (o
gênero) esteja em harmonia com o sexo biológico.
Os adeptos da teoria do gênero
pretendem que, por um simples ato de vontade, poderíamos alterar a
realidade do que somos, escolhendo a nossa identidade sexual: "Eu
não sou o corpo que tenho". Desconectar o sexo do gênero e
considerar que a identidade sexual repousa apenas sobre o gênero resulta
em apagar uma evidência anatômica. O nosso corpo mentiria para nós?
Adotar essa teoria significa querer uma sociedade baseada numa ilusão.
Sejamos realistas: nascemos
menino ou menina. A procriação necessita de pai e mãe. A criança precisa
de pai e mãe para se desenvolver, para construir a sua personalidade.
Observamos que em casos de dificuldade os psicólogos apelam para o pai e
a mãe para solucionar o problema relacional do filho. As respostas do pai
e da mãe enriquecem umas às outras, complementam-se e permitem resolver
os problemas.
Por fim, lembro o que poderia
ter sido colocado no início do texto, e que está no começo da Bíblia:
"E o Senhor Deus disse: `Não é bom que o homem esteja só. Vou
fazer-lhe uma auxiliar que lhe corresponda´... Por isso deixará o homem o
pai e a mãe e se unirá à sua mulher, e eles serão uma só carne"
(Gênesis 2,18.24).
Dom Murilo S.R. Krieger
Arcebispo de São Salvador da Bahia, Primaz do Brasil
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