O Eclesiastes é um interessante livro bíblico, do Antigo Testamento. Seu nome vem do grego e significa: o homem da assembléia; aquele que toma a palavra na sinagoga. Escrito em hebraico pelo ano 250 a.C, esse livro comprova a influência da cultura grega na Judéia. Um tema atravessa, de modo especial, todos os seus capítulos: a precariedade das ocupações humanas. Tudo é "vaidade", ou seja, tudo é neblina, fumaça e ilusão. Pessimista? Diria que não. Seu autor, um sábio ancião, quer instruir os jovens a viver com realismo e seriedade. É o que se conclui, por exemplo, com suas observações sobre o desenrolar do tempo: "Tudo tem seu tempo, há um momento oportuno para cada empreendimento debaixo do céu. Tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de colher a planta (...); tempo de chorar e tempo de rir" (Ecl 3, 1-2.4). A partir de suas observações, faço as minhas.
Um dia, quando se escrever um livro sobre o nosso século, talvez se escolha
como título: "A época dos homens sem tempo". Afinal, nenhuma
justificativa é tão usada como a da falta de tempo. Ninguém tem tempo. Nem os
adultos (no telefone, depois de não ter ido à reunião: "Pois é,
infelizmente não tive tempo..."), nem os jovens (ao professor na
Faculdade: "Por que ainda não entreguei o trabalho? Tempo, falta de
tempo!..." ) e até as crianças (à mãe, que pede ao filho para fazer um
serviço: "Ah! Mãe, logo agora que não tenho tempo?").
Alguns não se dedicam a clubes de serviço porque não têm tempo. Outros não
visitam seus parentes porque "não se tem mais tempo para nada".
Aquele jovem não estuda, este não trabalha e você nada lê porque lhes falta
tempo. "Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram
tudo prontinho nas lojas. Mas, como não existem lojas de amigos, os homens não
têm mais amigos", é a irônica observação da Raposa ao Pequeno Príncipe.
A conclusão a que se chega - conclusão óbvia, clara, cristalina - é que há
alguma coisa errada. Essa evidência se acentua quando se ouve a desculpa
daqueles que cortaram, aos poucos, todo relacionamento com Deus, por um motivo
muito simples: não têm tempo! "Gostaria de ir à missa, mas não tenho
tempo. Desejaria ler o Evangelho, pensar nos outros, rezar, ser voluntário em
algum hospital mas, infelizmente não tenho tempo". Se o ser humano não tem
mais tempo para cultivar sua amizade com o Pai ou para ir em direção a seus
irmãos, alguma coisa está mesmo errada. Demos, pois, uma de pesquisador:
procuremos o culpado por essa situação insustentável.
Seria Deus? Afinal, foi Ele que deu o tempo ao ser humano. Mas, talvez lhe tenha dado pouco tempo: afinal, há tanto que fazer!... Contudo, convenhamos: seria um absurdo pensar assim. Ele certamente dá aos homens e mulheres o tempo suficiente para que possam fazer o que Ele quer. Mais: Ele só espera de cada pessoa o que ela tem condições de fazer.
Seria Deus? Afinal, foi Ele que deu o tempo ao ser humano. Mas, talvez lhe tenha dado pouco tempo: afinal, há tanto que fazer!... Contudo, convenhamos: seria um absurdo pensar assim. Ele certamente dá aos homens e mulheres o tempo suficiente para que possam fazer o que Ele quer. Mais: Ele só espera de cada pessoa o que ela tem condições de fazer.
O problema da falta de tempo teria como causa o próprio ser humano? (De você,
por exemplo?). Afinal, quem consegue realizar tudo o que gostaria? Dada à nossa
insatisfação contínua, por mais que alguém aja, fale ou pense, sempre falta
pensar, falar ou fazer alguma coisa. Novos horizontes se abrem diante de cada
caminho percorrido. O que fazer, então? ("Fazer mais alguma coisa ainda?
Mas eu já disse que não tenho tempo!..."). Abra o Evangelho. Ouça o que
Cristo tem a dizer sobre isso: "Marta, Marta, tu te preocupas com muitas
coisas. E, contudo, uma só é necessária". O que seria o essencial na vida,
o único necessário? Deve se tratar, sem dúvida, de uma realidade que permaneça
sempre, que não passe com o tempo, que continue a existir mesmo após a morte -
que é, para cada um, o fim do tempo.
Um dia, um doutor da lei perguntou a Jesus o que era mais importante - isto é,
o que é que era essencial e resumia sua doutrina. A resposta do Mestre foi
simples: o amor. O amor ao Pai e o amor aos irmãos. O resto, isto é, o que cada
um vai fazer, pensar ou dizer, será uma consequência de seu amor. Ora, se
alguém não tem tempo nem para se doar, que pobreza! Talvez seria melhor não ter
recebido tempo algum!...
Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de São Salvador da Bahia - BA
Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de São Salvador da Bahia - BA
Nenhum comentário:
Postar um comentário