No final de julho, uma notícia sacudiu os lares mais ou menos cristãos
do Brasil: numa paróquia do Nordeste, um padre havia interrompido a celebração
de um casamento ao descobrir que os trajes da noiva e o ambiente criado pelos
convidados em nada contribuíam para a santidade do ato que estava dirigindo.
Desde o início do rito, o sacerdote se sentira entre os espinhos ao verificar
que a sacralidade do lugar não era guardada, inclusive pelos gracejos que os
presentes faziam sobre os decotes e as poses de algumas mulheres. Ofendido pelo
papel humilhante que lhe parecia representar - um joguete manipulado por
fotógrafos, cinegrafistas e cerimonialistas -, em dado momento, perdeu a
paciência e anunciou que a celebração não tinha condições de continuar, porque «o
local não estava sendo respeitado».
Evidentemente, sua decisão deu margem às mais diversas reações em todo o
Brasil, sobretudo através dos comentários deixados pelos leitores na internet.
Ao lado de quem viu na atitude do padre «um ato de coragem e de autenticidade
que há muito fazia falta na Igreja», a grande maioria a considerou «uma volta
ao obscurantismo da Idade Média» ou, pior ainda, «uma hipocrisia, pois a mesma
Igreja que assume posições próprias de um moralismo ultrapassado, pouco ou nada
faz contra os padres que desrespeitam seus votos religiosos».
O fato suscita vários questionamentos. O primeiro dele é se o padre tem
autoridade para suspender ou negar a realização de um sacramento a quem o
solicita. O Código de Direito Canônico - que rege a atuação da Igreja - traça
uma diretriz muito clara e prudente a esse respeito: «Os ministros sagrados não
podem negar os sacramentos àqueles que os pedirem oportunamente, que estiverem
devidamente dispostos e que, pelo direito, não forem proibidos de os receber.
Os pastores de almas e os outros fiéis, cada um conforme seu próprio múnus
eclesiástico, têm o dever de cuidar que todos os que pedem os sacramentos
estejam preparados para recebê-los, mediante a devida evangelização e instrução
catequética, segundo as normas dadas pela autoridade competente» (Cânon 843).
Como se disse, a norma "é clara e... prudente": não se podem negar os
sacramentos a quem os pedir "oportunamente", "estiver
devidamente disposto" e "não for proibido pelo direito". Para
tanto, "os pastores de almas têm o dever de preparar os fiéis mediante a
devida evangelização e a instrução catequética".
Num tempo em que se privilegiam a autenticidade, a responsabilidade e as opções
pessoais, nada de anormal se a Igreja se sinta feliz em oferecer seus
sacramentos somente a quem os considera um grande dom de Deus, apto a
contribuir para a sua realização pessoal e para a missão que lhe cabe na
família e na sociedade. É uma questão de coerência e maturidade, a exemplo de
Jesus, «que não foi "sim" e "não", mas sempre
"sim"» (1Cor 1,19).
A esse respeito, parece-me importante frisar que, de acordo com a opinião
expressa pelo cardeal Joseph Ratizinger, às vésperas do conclave que o elegeria
Papa, estamos numa época em que impera a "ditadura do relativismo":
não existem verdades, nada deve ser imposto, os limites são banidos. Contudo,
em contrapartida, tudo é aceito e "abençoado" se contrariar as normas
estabelecidas e se partir das assim ditas "minorias". A humanidade
parece voltar à adolescência, quando é suficiente existir governo para ser do
contra!
Um exemplo concreto dessa involução e inversão de marcha? A partir das leis em
vigor em não poucos países, se um casal de namorados tiver atitudes
desrespeitosas na igreja, posso pedir que deixem o ambiente e tudo termina bem.
Mas, se forem homossexuais, corro o perigo de ser processado. Se peço a um
jovem que deixe o seminário porque tem namorada, não há problema nenhum. Se,
porém, o que ele namora é outro rapaz, posso acabar na cadeia...
Na teoria, as leis são promulgadas para o bem do cidadão. Na prática, porém,
atrás de muitas delas, o que se esconde são pessoas e organizações que, sob o
pretexto de liberdade de pensamento e igualdade de direitos, buscam apenas seus
interesses. Por isso, o casamento religioso - e todos os demais sacramentos
(inclusive o sacerdócio) - devem ser reservados para quem não brinca com a
fé...
D. Ridovino Rizzardo,cs – Bispo de Dourados/MS
(Transcrito de htpp://cleofas.com.br)