Jamais o mundo viu ou verá um acontecimento como
este: o Filho de Deus humanado é crucificado e agoniza durante três horas numa
cruz. Três longas horas de dores indizíveis, sofrimentos inenarráveis na pior
forma de suplício que o império romano impunha a seus opositores, bandidos,
malfeitores…
Foi o
drama de um Deus crucificado por amor ao homem, criatura moldada à sua “imagem
e semelhança” (Gen. 1,26). “Deus amou a tal ponto o mundo que deu o Seu Filho
único para que todo o que Nele crer tenha a vida eterna” (Jo 3,16). “Nisto
consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele quem nos amou e
enviou-nos seu Filho como vítima de expiação por nossos pecados” (1Jo 4,10).
“Deus demonstra seu amor para conosco pelo fato de Cristo ter morrido por nós
quando éramos ainda pecadores” (Rm 5,8).
Um
mistério insondável de amor e de dor que projeta luz sobre o quanto cada um de
nós é importante para Deus. Cristo não mediu esforços para resgatar cada um de
nós para Deus… foi até as últimas consequências. São João expressou isto como
ninguém: “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo
15,1).
No seio da Trindade o Verbo se ofereceu para
realizar o sacrifício de nossa salvação. A Carta aos hebreus explica: “Eis por
que, ao entrar no mundo, Cristo diz: Não quiseste sacrifício nem oblação, mas
me formaste um corpo. Holocaustos e sacrifícios pelo pecado não te agradam.
Então eu disse: Eis que venho (porque é de mim que está escrito no rolo do
livro), venho, ó Deus, para fazer a tua vontade (Sl 39,7ss)… Eis que venho para
fazer a tua vontade. Foi em virtude desta vontade de Deus que temos sido
santificados uma vez para sempre, pela oblação do corpo de Jesus Cristo.” (Hb
10,5-10).
A dívida
dos pecados dos homens, sendo, de certo modo infinita, exigia um sofrimento
redentor também infinito para reparar a ofensa contra a Majestade infinita de
Deus. Então, o sofrimento de Deus feito homem, infinito, triunfou do pecado. O
resgate de cada um de nós foi pago. Pelo sofrimento de Jesus, Homem e Deus, a
humanidade honrou a Deus incomparavelmente mais do que o ofendera e poderá
ainda ofender. O homem, resgatado agora pelo Filho do Homem, pode voltar para
os braços de Deus. A justiça divina foi satisfeita.
O projeto
salvador de Deus realizou-se “uma vez por todas” (Hb 9,26) pela morte redentora
de seu Filho, Jesus Cristo. “Não era preciso que Cristo sofresse tudo isso e
entrasse em sua glória?” (Lc 24,26), Jesus pergunta aos discípulos de Emaús.
A Igreja
nunca esqueceu que “foram os pecadores como tais os autores de todos os
sofrimentos de Cristo, pois são os nossos pecados que atingem o próprio Cristo.
São culpados desta falta horrível os que continuam a reincidir em pecados. Diz
a cara aos hebreus que os que mergulham nas desordens e no mal “de sua parte
crucificam de novo o Filho de Deus e o expõem as injúrias” (Hb 6,6). São
Francisco de Assis disse que: “Os demônios, então, não foram eles que o
crucificaram; és tu que com eles o crucificaste e continuas a crucificá-lo, deleitando-te
nos vícios e nos pecados”.
O
Catecismo da Igreja ensina que “A morte violenta de Jesus não foi o resultado
do acaso um conjunto infeliz de circunstâncias. Ela faz parte do mistério do
projeto de Deus, como explica São Pedro aos judeus de Jerusalém já em seu
primeiro discurso de Pentecostes: “Ele foi entregue segundo o desígnio
determinado e a presciência de Deus” (At 2,23). Mas esta linguagem bíblica não
significa que os que “entregaram Jesus” tenham sido apenas executores passivos
de um roteiro escrito de antemão por Deus” (n.599).
Deus
estabeleceu seu projeto eterno de salvação incluindo nele a resposta livre de
cada homem à sua graça. Deus permitiu os atos violentos dos inimigos de Cristo
a fim de realizar seu projeto de salvação.
“Cristo
morreu por nossos pecados segundo as Escrituras” (1 Cor 15,3). A morte
redentora de Jesus cumpre a profecia do Servo Sofredor: “Em verdade, ele tomou
sobre si nossas enfermidades, e carregou os nossos sofrimentos… ele foi
castigado por nossos crimes, e esmagado por nossas iniquidades; o castigo que
nos salva pesou sobre ele; fomos curados graças às suas chagas… Foi maltratado
e resignou-se; não abriu a boca, como um cordeiro que se conduz ao matadouro, e
uma ovelha muda nas mãos do tosquiador. Ele não abriu a boca. Por um iníquo
julgamento foi arrebatado. Quem pensou em defender sua causa, quando foi
suprimido da terra dos vivos, morto pelo pecado de meu povo?” (Is 53,4-8).
São Pedro
explicou bem: “Fostes resgatados da vida fútil que herdastes de vossos pais, pelo
sangue precioso de Cristo, como de um cordeiro sem defeitos e sem mácula,
conhecido antes da fundação do mundo, mas manifestado, no fim dos tempos, por
causa de vós” (1Pd 1,18-20).
Os
pecados dos homens, depois do pecado original, são punidos pela morte (Rm 5,
12; 1 Cor 15,56). “Aquele que não conhecera o pecado, Deus o fez pecado por
causa de nós, a fim de que, por ele, nos tornemos justiça de Deus” (2Cor 5,21).
Tendo-o tornado solidário de nós, pecadores, “Deus
não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós” (Rm 8,32), a fim de
que fôssemos “reconciliados com Ele pela morte de seu Filho” (Rm 5,10).
Jesus
tinha plena convicção desta missão que assumiu. “Pai, salva-me desta hora. Mas
foi precisamente para esta hora que eu vim” (Jo 12,27). “Deixarei eu de beber o
cálice que o Pai me deu?” (Jo 18,11). Ele é o “Cordeiro de Deus, que tira os
pecados do mundo” (Jo 1,29). “Como pela desobediência de um só homem todos se
tornaram pecadores, assim, pela obediência de um só, todos se tornarão justos” (Rm
5,19).
Jesus é o
novo Adão, que por sua obediência, humildade e imolação de si mesmo, cancelou o
documento de dívida que o demônio tinha contra nós. “É Ele que nos perdoou
todos os pecados, cancelando o documento escrito contra nós, cujas prescrições nos
condenavam. Aboliu-o definitivamente, ao encravá-lo na cruz. Espolio os
principados e potestades, e os expôs ao ridículo, triunfando deles pela cruz”
(Cl 2,14-15). É do lenho da cruz que pendeu a salvação do mundo!
Prof. Felipe Aquino
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